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Trata-se da Psico terapia Analítico-Funcional (.Functional Analytic Psychotherapy —FAP). Na história da investigação sobre mecanismos de mudança em psico.
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
Giovana Del Prette
Dentre as propostas de psicoterapia da Terceira Geração, há uma em particular que se destaca por debruçar-se no estudo e na intervenção sobre variáveis da própria relação terapeuta-cliente. Trata-se da Psico
Na história da investigação sobre mecanismos de mudança em psico terapia, a relação terapêutica, que antes pertencia aos bastidores, como uma “variável inespecífica”, agora ganha o palco com a FAP, sendo es miuçada e sistematizada em uma práxis na qual o terapeuta consciente mente age na relação e sobre a relação com o cliente. O envolvimento emocional, a intimidade, o aqui e o agora tornam-se ingredientes Fun damentais dessa nova química que, longe de ser uma “receita” pronta, desafia sobretudo o terapeuta, sob a égide da Análise Funcional, a se conhecer e se reinventar a cada nova, e única, relação com seu cliente. Penso que a FAP funciona quando é não apenas entendida, mas sentida. A FAP não acontece na análise fria e técnica sobre os eventos
da semana do cliente. Ela acontece quando a terapia se torna o próprio even to, e terapeuta e cliente se sentem eletrizados por avançarem, cada vez mais, no desenvolvimento de uma relação “intensa e curativa” —parafraseando a primeira obra dos seus proponentes. Mas como alcançar o que é verdadeira mente “fazer FAP” na leitura de um texto? Como demonstrar sua complexi dade, escondida na fórmula didática e (só) aparentemente simples das “cinco regras” da FAP? Como esclarecer mal-entendidos que regularmente observei em minha prática docente, vindos —suponho —da própria dificuldade de se aprender a FAP via métodos tradicionais de leitura e aula? Pensando em como driblar essas questões, cheguei a algumas opções que você encontrará aqui. Após as apresentações formais (origens, características e fundamentos), você lerá sobre comportamentos clinicamente relevantes e regras da FAP a partir de um caso clínico hipotético, analisado e “atendido” ao longo do texto sob o prisma da FAP. Espero, assim, conduzir você, leitor, a imaginar e vivenciar, ao menos um pouco, essa forma de psicoterapia. Contudo, para tornar a prática um pouco mais concreta, elaborei também uma sistematização inédita de ha bilidades envolvidas em cada uma das cinco regras da FAP Por fim e de forma coerente com esta proposta, destacarei o papel da supervisão e da terapia pes soal em sua formação como terapeuta FAP e no aprendizado dessas habili dades. Convido-o, então, a fazer a sua leitura imaginando-se no lugar dos personagens (terapeuta e cliente) que protagonizarão este texto.
Retomando:
A FAP é uma proposta de terapia baseada nos princípios da ciência da Análise do Comportamento e da filosofia do Behaviorismo Radical apli-
(p. 296), colocando a proposta da TCC como referencial para a classifica ção. Outros autores, contudo, focam princípios filosóficos e científicos do Behaviorismo Radical e, por isso, referem-se às “três ondas da Terapia Com- portamental” (como Sturmey, 2011). Dentre estes se encontram os propo nentes da FAP (Kohlenberg &Tsai, 2001), cuja proposta foi essencialmente uma derivação dos princípios behavioristas (Kohlenberg &Tsai, 1994). A FAP nasceu em um momento histórico que carregava um con junto de questões teóricas, práticas e de pesquisa sobre a clínica com- portamental. A Terapia Cognitivo-Comportamental vinha se apre sentando como proposta para explicar e tratar problemas envolvendo cognição e sentimentos, mas esta abria mão da coerência epistemológica ao unir duas abordagens fundadas em bases filosóficas distintas e, m ui tas vezes, opostas. Assim, o desafio dos analistas do comportamento era desenvolver uma prática que desse conta desses problemas, mantendo uniformes os princípios filosóficos e a fundamentação científica. No âmbito da pesquisa, diversas abordagens teóricas, inclusive a comportamental, já davam importância à relação terapêutica, mas ainda havia a necessidade de se operacionalizar esse aspecto na prática do tera peuta comportamental. Mesmo não sendo um psicoterapeuta, Skinner (1953) fez uma análise do papel social da psicoterapia. A partir dessa análise e dos estudos sobre punição e seus efeitos colaterais (Sidman, 2001), torna-se clara a racional de alguns aspectos da relação terapêutica propostos por Skinner, bem como a derivação da FAR
ta a psicoterapia como uma das agências de controle da sociedade, estando, portanto, no mesmo nível que economia, governo, educação e religião. Agências controladoras, para Skinner, são instituições ou sistemas sociais que manipulam variáveis por meio de reforçamento ou punição, e cujo poder é concedido pelo próprio grupo social, uma vez que suas práticas têm como finalidade —ao menos em tese —a sobrevivência desse grupo. Por outro lado, a agência psicoterapia se distingue das demais justa mente por cuidar dos efeitos colaterais de práticas coercitivas existentes em nossa cultura e, para tal, o psicoterapeuta deve adotar a prática da “audiência não punitiva” (Skinner, 1953). O terapeuta ouve e compreende os compor tamentos do cliente sem julgá-los e, dessa forma, algumas classes de compor-
tamentos anteriormente suprimidas por punição voltam a ocorrer na própria sessão como, por exemplo, expressar sentimentos, especialmente alguns com maior chance de serem socialmente punidos com crítica ou rejeição. Audiência não punitiva pode ser considerada mais do que uma reco mendação ou uma técnica, refere-se, na verdade, a uma postura constante do terapeuta na relação com o cliente. O efeito dela vai ao encontro da pro moção de intimidade, definida como um repertório interpessoal que envolve a autorrevelação de pensamentos e sentimentos, resultando em um sentimen to de conexão, apego e proximidade na relação com o outro (Tsai et al., 2008). Em outras palavras, temos um relacionamento íntimo quanto mais nossos comportamentos são aceitos, com risco mínimo de rejeição e julga mento. Popularmente, diríamos sobre essa relação algo como “com ele (a) eu posso ser eu mesmo (a)”. Segundo Braga e Vandenberghe (2006, p. 310):
... a intimidade surge quando as pessoas se comunicam abertamente, deixando claro o que pensam e o que querem, dividindo além do cari nho, as experieãicias e os segredos, mostrando-se o que é, mesmo nos medos, inseguranças e defeitos. O compartilhar de sofrimento e o com partilhar de sentimentos positivos de amor, proximidade, esperança, alegria e orgulho são indicativos da intimidade na relação.
O foco na construção de intimidade tem se tornado cada vez mais claro na proposição da FAP. Nota-se, por exemplo, um aumento da ên fase nesse aspecto quando se compara o primeiro livro (Kohlenberg & Tsai, 1991) com o segundo, publicado 17 anos depois (Tsai et al., 2008). Se você é ou será psicoterapeuta, ao refletir por um momento, poderá facilmente concluir que sua amostra de clientes, em qualquer época, tem problemas essencialmente relacionados à esquiva de intimidade, e que este é um fator central na busca por psicoterapia. Provavelmente, uma re flexão pessoal sobre seus principais medos, em seus próprios relaciona mentos, o fará chegar à mesma conclusão. Dificuldades nos relaciona mentos tornam-se relevantes e produzem sofrimento quanto mais impor tante for para nós aquele com quem nos relacionamos. Por isso é tão fre quente que as queixas dos clientes tenham a ver com pai, mãe, filhos e amigos mais do que com colegas e desconhecidos. O papel da terapia é o
O ambiente de psicoterapia é um dentre vários em que o cliente se comporta e com os quais se relaciona. Por “ambiente” estou me referindo não apenas ao espaço físico, mas também ao terapeuta e à interação entre eles. Ir à terapia passa a ser uma parte da vida e da rotina do cliente, e a maneira como ele se relaciona com esse evento ambiental, de algum modo, assemelha-se à sua relação com outros eventos de sua vida. Alguns comportamentos do cliente que ocorrem na relação com o terapeuta têm especial relevância clínica na FAP. Vamos imaginar um cliente que, em seu cotidiano, costuma ser bastante pontual em seus compromissos, raramente esquecendo-se ou faltando a eles. A partir dessa descrição, o que você esperaria de seu comportamento no “com promisso terapia”? Você responderá, corretamente, que prevê que, como cliente, também será assíduo e pontual nas sessões, com raros esqueci mentos ou faltas. O princípio comportamental subjacente à sua resposta é o da generalização: se nos comportamos de determinado modo diante de certos estímulos, tenderemos a nos comportar de modo parecido di ante de novos estímulos semelhantes àqueles. Em nosso exemplo, ainda não sabemos se o comportamento “ser pontual”, que se generalizou à situação de terapia, é ou não relevante para a análise. Uma parte dos comportamentos do cliente na terapia poderá ser mais significativa quanto mais representar uma amostra do próprio pro blema que a terapia se propõe a tratar. Essa amostra merece especial atenção do terapeuta e, por esse motivo, Kohlenberg e Tsai (1991) denominaram-
vante 1), ou CRB1. Assim, “ser pontual” pode ser classificado como CRB se, de algum modo, fizer parte do problema do cliente. A primeira vista, o exemplo pode soar estranho: ora, dificilmente alguém procurará terapia queixando-se por ser pontual demais. E verdade. Mas o CRB1 não neces sariamente corresponde à queixa expressa pelo cliente. Na verdade, a identi ficação de CRBs advém da análise funcional (ou de contingências), con struída pelo terapeuta ao longo das sessões de atendimento. A análise funcional, sendo única para cada indivíduo (ver Neno, 2003), pode apontar para diferentes direções. Vou hipotetizar algumas
análises distintas - e você mesmo pode construir outras hipóteses —sobre como “ser pontual” poderia fazer parte de seu problema (ser um CRB1): (1) A função desse comportamento é esquivar-se de qualquer crítica que poderia receber caso se atrasasse —ou receber elo gios e seu problema tem a ver com a maneira como ele lida com o julgamento dos outros; (2) O modo como ele cumpre seus compromissos acaba sendo pouco flexível, produzindo sofrimento ao priorizar suas obrigações acima de qualquer coisa; (3) Ele espera dos outros a mesma seriedade que ele próprio adota com compromissos e acaba se decepcionando quando os ou tros não correspondem a essa expectativa.
A análise de contingências dá subsídios ao terapeuta para que fique mais atento aos comportamentos do cliente na sessão, selecionan do aqueles que possam ser um C R B 1, de acordo com essa análise. Note que, nas três hipóteses funcionais anteriores, os problemas do cliente não eram somente relacionados a comportar-se ou não com pontuali dade, mas sim a uma classe de comportamentos na qual o “ser pontual” pode se inserir. Os comportamentos clinicamente relevantes, portanto,
(Braga & Vandenberghe, 2006). Por outro lado, também é possível que o cliente se comporte na sessão de tal modo que seus problemas melhorariam se ele assim o fi zesse em seu dia a dia. Esses comportamentos de melhora, ocorrendo na
al” é um CRB1, poderíamos concluir que “atrasar-se” ou “esquecer- -se” da sessão poderia ser um CRB2? Talvez sim. Por outro lado, con forme dissemos, a análise funcional aponta para uma classe de respostas mais ampla do que somente o comportamento de ser pontual ou de se atrasar, de modo que seria estranho termos que esperar pelo dia em que o cliente falte para dizer que ele está melhorando. Se, em nossa primeira hipótese, a pontualidade tem como função a esquiva de críticas, não ape nas o atraso poderá ser CRB2, mas muitos outros comportamentos do
Por meio de pesquisas sobre a FAP, Callaghan (2006a) produziu
ou FIAT-Q), a partir do qual classificou os principais CRBs dos clientes em cinco classes funcionais, todas elas de algum modo relacionadas à in timidade: (a) identificar e expressar assertivamente necessidades; (b) im
car e lidar com conflitos e desconfortos interpessoais; (d) autorrevelar-se e manter proximidade interpessoal; e (e) experienciar e expressar emoções. Os efeitos colaterais da punição em relacionamentos anteriores po dem não apenas comprometer a ocorrência dessas classes de comporta mentos no dia a dia do cliente, mas também dificultar que ele fale sobre essas situações em sessão e, mais ainda, que ele se comporte desse modo na relação com o próprio terapeuta, o que seria, em si, o CRB1 (dificul dade com essas classes) ou o CRB2 (melhora). Se, por um lado, a FAP é um tratamento idiossincrático, alguns CRBs poderiam ser considerados “universais” quando organizados em classes funcionais molares associadas ao tema do relacionamento íntimo (Wetterneck & Hart, 2012). Kohlenberg e Tsai (2001) propõem uma análise comportamen-
bre CRBs “universais”. Para os autores, a história de reforçamento dos comportamentos abertos, sob controle privado, constrói no indivíduo a emergência e a estabilidade da unidade funcional “eu”. É quando somos aceitos ao nos comportarmos de acordo com nosso mundo privado, aprendendo, aos poucos, a reconhecer como nos sentimos, quais são os nossos valores, enfim, quem somos nós. Uma história crônica de invalidação, por sua vez, leva ao desen volvimento de um j^fiinstável, que os autores reconhecem em grau pa tológico em Transtornos de Personalidade. Como fruto dessa invalida ção, podemos ter extrema dificuldade em tatear o que estamos sentindo e, mais ainda, em saber o que queremos, do que gostamos e quem so mos. Um dos critérios diagnósticos para Transtorno Borderline (APA, 2013), por exemplo, está relacionado ao “sentimento crônico de vazio”. Um dos papéis centrais da terapia seria o de construir uma nova história
aceitação subjacente à intimidade vai ao encontro desse objetivo.
Retomando:
Ao proporem a FAP como uma terapia baseada na Análise do Comportamento, Kohlenberg eTsai (1991) sistematizaram cinco regras norteadoras da intervenção do terapeuta nessa abordagem. No segundo livro dos autores, Tsai et al. (2008) sumarizaram as regras em palavras-
abordar cada uma das regras a seguir e, finalmente, ilustrar sua aplica ção a um cliente hipotético que daremos o nome de Carlos, que ana lisaremos e “atenderemos” nas próximas páginas. Sem nos estendermos no processo de construção da análise fun cional2, vamos supor que uma das análises centrais é a de que Carlos tem muita dificuldade de expor suas opiniões e até mesmo de tatear o que pensa e sente em seus relacionamentos. Sem conseguir ser assertivo, acaba concordando com os amigos e familiares ou tentando agradá-los em demasia e, dessa forma, esquiva-se de críticas e de rupturas nas rela ções. Como todo comportamento de esquiva, a armadilha desse meca nismo é que, ao fazer isso, perde o parâmetro referente a ser aceito pelos outros caso tivesse se comportado de modo alternativo. Sentindo-se esgotado nesses relacionamentos, Carlos eventual mente perde o controle de suas emoções e “explode” com pessoas próximas a ele, que acabam se afastando, produzindo mais esquiva e 2 Para este tema, recomenda-se a leitura de Meyer, Del Prette, Zamignani, Banaco, Neno e Touri- nho (2010).
H abilidade 1 - Terapeuta observa e descreve contingências da sessão Essa habilidade envolve estar atento ao momento presente, co meçando por aquilo que o cliente faz em sessão, além de descrever o que se observa evitando rótulos. Assim, ao invés de concluir que “Carlos é ansio so”, o terapeuta procura por sinais físicos de ansiedade, como por exemplo: “às vezes ruboriza e evita contato ocular”, podendo discriminar melhor mo mentos de ansiedade de momentos em que o cliente demonstre outros sen timentos. Além disso, essa habilidade implica priorizar “o como” o cliente fala e sobre “o que” é falado, permitindo analisar como ele discorre sobre um assunto e como isso impacta a relação com o terapeuta, ao invés de analisar somente o conteúdo trazido. Também se torna foco de observação do terapeuta a coerência ou a discrepância entre forma e conteúdo. O terapeuta pode perceber, por exemplo, que: “Carlos relata ser an sioso, mas aqui na sessão não percebo nenhum sinal disso”; “Carlos fala sor rindo sobre situações dolorosas”. Por fim, observar e descrever significa fo
terapeuta. Por exemplo: “Quando pergunto sobre um problema, Carlos desvia do assunto”; “Quando expresso empatia por algo que ele me conta, ele se justifica tentando minimizar o problema”. Ao observar a interação, o terapeuta pode conhecer melhor o impacto emocional sobre o cliente da quilo que ocorre em sessão.
H abilidade 2 - Terapeuta observa seus próprios com portamentos (ações, sentimentos e pensamentos) e seus possíveis evocadores A auto-observação é fonte riquíssima de análise. Como o terapeuta age, pensa e sente pode ser uma amostra representativa de como outras pessoas também se relacionam com o cliente. O terapeuta de Carlos pode perceber, por exemplo, que, por algum motivo, sempre termina as sessões dando con selhos, mesmo não sendo o seu “estilo” de trabalho. Quanto aos sentimentos, todos são importantes: de raiva a ternura, de tédio a entusiasmo. Além disso, a EAP aborda o sentimento de “estar conectado” ao cliente como um dos mais importantes termômetros na identificação de CRBs, pois seria o produ
to dos esforços de ambos ao encontro da intimidade. Por exemplo, Carlos re petidamente começa a sessão dizendo que “melhorou”, mas o terapeuta não se sente conectado ao cliente nesses momentos; ao contrário, sente-se leve mente irritado, e o discurso parece “vazio”. O que será que isso quer dizer? Quando Carlos fala sobre seus problemas, às vezes o terapeuta sente mais em pada e envolvimento, mas em outras se sente “frio”, como se aquilo não o to casse. Qual será a diferença entre esses momentos?
H abilidade 3 - Terapeuta utiliza o que foi observado na formulação da análise funcional Uma vez que o terapeuta observa e descreve o comportamento do cliente, a relação e a si próprio, esse material passa a ser a base para a análise funcional. As discrepâncias e coerências entre o que acontece na sessão e como terapeuta e cliente reagem a isso são, aos poucos, trans formadas em hipóteses funcionais, que podem ser fortalecidas, modifi cadas ou abandonadas ao longo das sessões. Desse modo, ao ter notado que Carlos relata ansiedade, mas não parece ansioso na sessão, podemos levantar várias hipóteses. “Será que a sessão não produz ansiedade e, portanto, é um contexto bem diferente daquele em que ele vive? No que consiste essa diferença? Ou será que ele se sente ansioso, mas evita demonstrar a ponto de não ser perceptível? Será que ele evita relatar an siedade porque em outras situações essa esquiva é reforçada?”. Analoga mente, as ações, pensamentos e sentimentos do terapeuta também são fonte de análise. “Será que a função de relatar melhora é me agradar e, por isso, não consigo me sentir conectado?”, “O que acontece na rela ção que pode estar evocando eu lhe dar tantos conselhos? Será que o comportamento dele acaba fazendo com que as pessoas digam o que ele deve fazer? Isso pode fazer parte do problema ou da melhora?”.
H abilidade 4 - Terapeuta verifica se o com portamento do cliente é um CRB Essa última habilidade é a de abertamente conversar para cons truírem juntos uma conclusão sobre o significado do que foi observado na relação. Basicamente, o terapeuta explicita suas impressões e/ou per-
da na Regra 2, Coragem. Evocar CRBs significa manejar as contingên cias da sessão de modo a aumentar a probabilidade de que eles acon teçam. O termo “coragem” ressalta a habilidade de enfrentamento de uma situação difícil, necessária ao terapeuta FAP. Evocar CRBs pode provocar ansiedade e desconforto no próprio terapeuta, uma vez que se está tentando produzir uma relação de maior intimidade. Isso exige muito mais autoexposição - afinal, vocês vão conversar sobre a relação de vocês e não sobre o mundo lá fora —, daí a necessidade da “coragem” para fazê-lo. Muitas vezes, ao verificar se um comportamento do cliente é um CRB, o terapeuta inevitavelmente já está evocando mais CRBs, sobrepondo as duas primeiras regras. Neste capítulo, e para fins didáti cos, sistematizei duas habilidades principais para a Regra 2.
H abilidade 1 - Terapeuta usa gentileza e em patia como crivos sobre como evocar CRBs Terapeutas ainda não familiarizados com a FAP, muitas vezes, imaginam intervenções de resultados duvidosos ao especularem sobre a Regra 2. Em aulas sobre FAP, já ouvi ideias aparentemente criativas (e certamente desastrosas), como “o terapeuta chegar atrasado à sessão para propositalmente evocar CRBs de assertividade” ou “bagunçar a sala an tes de o cliente chegar para evocar CRBs em um cliente com TOC de organização”. Assim como pontuei na Regra 1, o terapeuta deve ser gentil com a relação que está construindo, e empatia poderá ser um bom critério para decidir como aplicar a Regra 2. Ao se colocar no lugar do cliente, como você se sentiria ao saber que seu terapeuta se atrasou de propósito pretendendo “ser terapêutico” com você? Ou que bagun çou a sala para ver o seu TO C “aparecer”? Isso tornaria a relação mais próxima ou lhe afastaria? Compaixão e gentileza não são necessárias ape nas no repertório do terapeuta, mas também algo que o cliente deve aprender a sentir para cuidar de si e do ritmo que é capaz de imprimir à terapia (ver McClafferty, 2012). Enfim, você pode perceber que evocar CRBs não significa “gratuitamente cutucar feridas”. O objetivo do terapeuta com a Regra 2 é propiciar a ocorrência
cliente se comportará de modo semelhante ao seu problema (CRB1) e isso também será foco de intervenção, mas um terapeuta sensato e empático pro curará aumentar as chances de promover melhoras (CRB2) ao invés de problemas (CRB1). A predominância de CRB1 sobre CRB2 pode ser con siderada preditiva de fracasso da própria terapia, incluindo o abandono do cliente (Kanter, Landes, Busch, Rusch, Brown, & Baruch, 2006).
H abilidade 2 - Terapeuta form ula o que será considerado C RB Ter clareza sobre o que consideraremos um CRB2 é essencial, e isso pode ser mais difícil do que identificar um C R B 1, até porque comporta mentos de melhora são menos frequentes em início de terapia e teremos que especular quais seriam. No caso de Carlos, qualquer comportamento assertivo, por definição (Del Prette & Del Prette, 2014), traz consigo um risco de rejeição e desagrado e poderá ser um CRB2. Assim, “Ainda não estou pronto para falar sobre meu casamento” é um exemplo de melhora
O critério do que será uma melhora precisa levar em conta o pro cesso de modelagem gradual que irá se desenrolar na terapia. Em outras palavras, para quem se esquivava de um assunto enrolando uma respos ta, expressar seu desagrado com um mero franzir de sobrancelhas já pode ser um CRB2. Para quem não conseguia acessar seus sentimentos, identificar como se sente dizendo “sinto-me mal” já pode ser sinal de uma razoável melhora para se começar. Quanto mais pudermos identificar classes molares3 de CRB2, mais chances teremos de evocá-las. Assim, uma classe ainda mais molar de comportamentos de melhora seria a própria coerência entre ações, pensamentos e sentimentos, a despeito da opinião do outro, também denominada em psiquiatria como “afeto congruente” (Dalgalarrondo, 2008). Em uma análise comportamental, diríamos que este CRB2 impli- 3 Segundo Logan (1960), a classificação “molar” ou “molecular” refere-se ao quanto respostas quali tativamente diferentes se agregam na análise (molar), ou o quanto adotamos critérios de restrição na definição da classe (molecular). Recusar um pedido abusivo, por exemplo, é uma classe mo lecular, que pode se agregar a outros comportamentos da classe “assertividade” que, por sua vez, pode pertencer à classe mais molar “habilidades sociais”, e assimpor diante.
tiva, por exemplo, por meio da emparia (“Você pareceu desconfortá vel... Esse assunto parece ser muito espinhoso de se falar”), da normali zação dos sentimentos (“Uma crise no casamento nunca é algo sim ples”) ou mesmo da sinalização de que você respeitará o ritmo do cliente (“Você pode falar sobre o que está sentindo, mas não precisa se pressionar. E importante entrarmos nos assuntos à medida que você se sinta preparado para isso”). Pode, ainda, expressar seus sentimentos diante do CRB1 (você lerá mais sobre isso mais adiante, quando falar mos sobre vulnerabilização), mostrando, assim, o impacto de seu comportamento na relação. Uma fala vazia de afeto e verborrágica pode ser bloqueada ao dizer, por exemplo: “Desculpe interromper, mas eu preciso dizer que, por algum motivo, o que você está falando está me dando sono. Eu parei de prestar atenção e agora estou pensan do por que isso está acontecendo”. Mesmo nesse caso, o bloqueio de esquiva também deve ser feito de modo gentil. Um cuidado a ser tomado aqui é que a esquiva do cliente reflete a aversividade da pergunta do terapeuta, e insistir com o bloqueio poderá somente escalonar essa aversividade, com resultados infrutíferos. O terapeuta deve priorizar a relação mesmo que para isso abra mão do bloqueio e permita esquivas, deixando essa intervenção para outras oportunidades futuras.
Retomando: Regra 2. Coragem
Não por acaso intitulada “Amor”, a terceira regra é, literalmente, o coração da FAP. Ela diz respeito às consequências dos comportamen tos clinicamente relevantes dos clientes, e não poderia haver melhor pa-
lavra para resumir a Regra 3. Estamos falando sobre mais do que refor-
afeto genuínas por parte do terapeuta.
H abilidade 1 - Terapeuta responde de modo genuíno Uma das bases dessa regra está na questão do reforçamento intrínseco na prática clínica. O verdadeiro e mais poderoso reforçador é aquele intrín seco à resposta. Reforçadores arbitrários como fichas e comestíveis eventual mente podem ser úteis no laboratório, mas sua inserção no contexto de vida cotidiana e em terapia pode ser ineficaz e mesmo contraproducente (Ferster, 1972). A diferença entre reforçador arbitrário e natural é mais emblemática no caso de consequências sociais. Terapeutas frequentemente utilizam o elo gio na tentativa de reforçar os comportamentos dos clientes, mas este pode ser mais arbitrário do que parece. Um critério útil aqui é pensarmos o quan to determinado reforçador tornará o indivíduo dependente de quem o libe ra, dificultando a generalização para outros ambientes. Nesse sentido, o elogio pode fazer com que o cliente se comporte mais sob o controle do terapeuta do que das consequências intrínsecas à sua ação. O resultado pode ser um cliente que fala o que o terapeuta “deseja ouvir” (modelou via elogios), sem necessariamente fazer o que fala. Mais ainda, se você deseja incentivar autonomia e ajudar o cliente a ficar sob con trole do efeito do próprio comportamento ao invés de depender de sua aprovação, vale a pena evitar o “Parabéns” e o “Muito bem”. Então, que consequências sociais seriam mais intrínsecas? Nossas respostas genuínas, nossa própria expressão de afeto coerente, serão as mais poderosas no reforçamento da melhora do cliente. Podemos fazer isso de diversas maneiras, que agrupo aqui em três tipos de consequên cias intrínsecas e genuínas: (a) o comportamento do cliente produz re sultados bem-sucedidos na sessão; (b) o comportamento do cliente pro
melhora; e (c) o comportamento do cliente produz o aprofundamento natural da relação com o terapeuta. A Tabela 11.1 apresenta três CRB hipotéticos de Carlos e exemplos de respostas genuínas do terapeuta para cada grupo. Os grupos de respostas não são excludentes entre si.