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Resgate de nosso eu interior e formas de seguir em frente
Tipologia: Resumos
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Apresentação Quando somos estranhos perante nós mesmos Aprofundando o tema Um esclarecimento necessário Uma história para começar O sequestro do corpo e a privação do horizonte de sentido A identidade: limites e possibilidades O esquecimento do ser A condição de vítima O preço do resgate e o seu valor simbólico Depois do cativeiro, a aprendizagem A subjetividade e as suas implicações O sequestro da subjetividade A maturidade Os contextos dos sequestros O contexto familiar O contexto religioso O contexto profissional O contexto da amizade O contexto do amor conjugal
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[ Há pessoas que nos roubam.
Há pessoas que nos devolvem. ]
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ste livro está comprometido com o desejo de lhe fazer bem. É uma aventura desejada, nascida de um desassos‑ sego provocado por lágrimas que chorei, mas sobretu‑ do por lágrimas que consolei. Considere‑o como uma pequena viagem, cujas estradas passam por mim e pela vida de pessoas que cruzaram o meu caminho. É possível que se reconheça nalgumas histórias. É provável que as teorias aqui expostas lhe agucem os sentidos. Afinal, quem nunca roubou ou foi roubado de si mesmo? A viagem vai ter início. Obrigado por estar comigo. Precisa‑ mos de dilatar a consciência que temos acerca das nossas ver‑ dades. É assim que Deus ganha espaço em nós. Quanto mais conscientes do que somos, fazemos e podemos, muito mais próximos estaremos da realização para a qual fomos projetados. A teologia cristã tem avançado muito na compreensão de que a realização humana é o mesmo que a Revelação de Deus. Essa
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[ Que mundo é este, que facilita os encontros
mas nos torna estranhos perante nós mesmos? ]
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ão me propus escrever um ensaio teológico. Nem tão‑ ‑pouco um tratado de antropologia especializada. Este livro limita‑se a ser uma reflexão sobre os cativeiros afetivos e as suas desastrosas consequências sobre aqueles que os protagonizam. Não, não me sinto tomado pelo desejo de abarcar todos os desdobramentos do amplo contexto em que se situa o seques‑ tro da subjetividade. O meu desejo é simples, menor. Limito‑ ‑me a convocar o leitor a olhar para os seus relacionamentos, identificando neles posturas que possam alimentar, em nome do amor que dizemos sentir, uma postura que atenta contra a sacralidade do outro, negando‑lhe o direito a exercer o mais belo dom recebido de Deus: a liberdade interior. Este livro é fruto de um desassossego meu. Vi de perto muitas pessoas perderem épocas preciosas das suas vidas, ou até mesmo a vida inteira, porque estavam encarceradas em
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Ledo engano. O silêncio do crime não nos exime da sentença. Mais cedo ou mais tarde, ela ser‑nos‑á entregue. A criminosos e vítimas. Chega‑nos pelos braços do tempo quando este, sem nenhuma piedade, vier depositar na nossa alma a desconcer‑ tante conclusão de que o que se viveu não valeu a pena. É a partir desse outro desassossego que começo. A huma‑ nidade distancia‑se assustadoramente da sua essência. Somos cada vez menos esclarecidos quando o assunto é humanidade. Conhecemos de cor o funcionamento de uma máquina, mas temos dificuldade em compreender uma lágrima humana. Estamos indisponíveis para discutir com profundidade os problemas que nos afetam. Estamos cada vez mais distantes da cultura que nos permite o acesso ao lado mais profundo do mundo. A poética, a linguagem por excelência que nos conduz ao coração das realidades, tem sido constantemente banida. Prevalecem fórmulas rudes, rasas, pretensiosamente prontas, mágicas, engraçadas, reconheço, mas incapazes de provocarem um avanço em direção ao que é profundo. Com isto, limitamo‑ ‑nos a tocar a primeira pele das questões. E é só. Identifico algumas explicações para isso. A Revolução Indus‑ trial mudou radicalmente as formas de produção das sociedades. O que antes era manufaturado de modo artesanal passou a ser produzido em série. Com isso, iniciamos a época das grandes tecnologias. As indústrias empenharam‑se em criar maquina‑ ria que aumentasse a produção e, ao mesmo tempo, diminuís‑ se a duração do processo. Assim, começamos a sofrer aquela que considero ter sido a mais radical mudança que a modernidade nos trouxe: a nossa relação com o tempo. Com boa parte da supressão da produção
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artesanal e do modo de vida social que ela fomentava, o ser hu‑ mano foi inserido numa nova ordem cronológica. Não sou especialista nessas mudanças, mas ouso dizer que as facilidades da tecnologia dificultaram a nossa relação com as esperas. O tempo das demoras, que antes fazia parte da vida humana, foi sendo cada vez mais reduzido pela eficiência do mundo técnico. No entanto, o que tem a ver a nossa nova re‑ lação com o tempo com a indisponibilidade hoje tão comum quando o assunto gira em torno das questões fundamentais da existência? Qual é a relação que podemos estabelecer entre os sequestros da subjetividade e a nossa incapacidade de admi‑ nistrar esperas, que nos foi legada pela Revolução Industrial? Não sei ao certo como tentar responder a estas perguntas. Elas são muito sugestivas e perguntas sugestivas sugerem uma infinidade de respostas possíveis. Não pretendo esgotá‑las, nem tenho condições para tal. O que sei é que a mudança do mundo acarreta uma inevitá‑ vel mudança do ser humano. É certo que a produção industrial em série submeteu o ser humano a movimentos repetitivos, rá‑ pidos, limitando‑o a ser uma parte do grande mecanismo em que estava inserido. Esta é a palavra: tornou‑o mecânico, parte de uma engrenagem cujo funcionamento depende de seu mo‑ vimento coordenado. Acredito que o ritmo de trabalho fosse extenuante. Ao chegar a casa, esse trabalhador teria pouca dis‑ posição para outra coisa senão alimentar‑se e dormir. Estamos no auge desse processo. É a época que nos pertence. As gerações futuras protagonizarão outro auge. Mas, no agora que temos, vemos a humanidade ainda muito absorvida pelos desdobramentos da mudança da nossa relação com o tempo.
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Penso que sim. Desaprendemos o artesanal da vida. Os nossos quotidianos são cada vez mais apressados. Os nossos encontros seguem as mesmas regras. A nossa impreparação pessoal, fruto de nossa incapacidade de dispensar tempo a nós mesmos, empurra‑nos para os braços de outros que viveram a mesma negligência. Os sequestros iniciam‑se assim. São con‑ sequências naturais de uma forma de ser e de viver e, por isso, são tão frequentes. Dedicamo‑nos cada vez menos ao artesana‑ to da construção afetiva, ao conhecimento que nos aproxima e que favorece os vínculos que nos enriquecem. Identificamos aqui um retrocesso. É como se uma invo‑ lução estivesse a levar‑nos para uma desaprendizagem exis‑ tencial, como se perdêssemos a capacidade de compreender quem somos, como se estivéssemos a viver um afastamen‑ to do que é realmente humano, uma indisponibilidade para nós mesmos. Talvez o mundo técnico nos tenha absorvido mais do que de‑ via. Talvez tenhamos invertido a ordem das coisas. A tecnologia deixou de nos servir, e nós é que passamos a servi‑la. Habituamo‑ ‑nos excessivamente aos modelos contemporâneos de comuni‑ cação. Adotamos, nas nossas relações pessoais, a mesma técnica da produção industrial em série, aquela que levou o mundo para o paraíso tecnológico. As redes sociais dão‑nos a ilusão de que temos uma infinidade de amigos, ligam‑nos a milhares de pes‑ soas com quem dizemos partilhar a nossa vida. Produção em série. Carregamos numa tecla e a mensagem mentirosa apare‑ ce: «Pronto, agora vocês são amigos». É a varinha de condão que um dia já fez parte do nosso imaginário. Reassumimos os con‑ tos de fadas. Permitimos, ainda que inconscientemente, que a
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amizade virtual nos livre da necessidade de construir artesanato afetivo com os que nos rodeiam. E então dá‑se o prejuízo. As horas que poderíamos aprovei‑ tar para uma boa leitura, um bom filme ou uma boa conver‑ sa, desperdiçamo‑las na manutenção de um perfil virtual onde prevalecem as conversas superficiais, as discussões, as dispu‑ tas pela notoriedade. Uma forma moderna de ser. Um modo de vida totalmente voltado para fora, cheio de alegorias, desprovido de intimidade, marcado pela necessidade de comunicações excessivas, e‑mails, novos posts , textos reencaminhados, fotografias legendadas, que expõem muito além do que deveriam expor. É a vida na praça pública, onde cada transeunte leva consigo os instrumentos que o publicam para o mundo. Os aparelhos companheiros que nunca saem das mãos, os instrumentos que dificultam os encontros, as conversas presenciais, a intimidade. Este estilo de vida estrangula‑nos o tempo, e elimina a neces‑ sidade de encararmos as nossas questões. Com isso, tornamo‑ ‑nos estranhos ao que sentimos, e o pior, ao que fazemos com o que sentimos. Indisponíveis para nós mesmos, encontramos os outros. E porque também eles estão indisponíveis para si mesmos, ini‑ ciamos os amores que nos hão de levar aos crimes da subjetivi‑ dade, ao desrespeito pela alteridade, a um desarmonioso modo de pertencer e de estabelecer vínculos. O desconhecimento dos mecanismos afetivos é cada vez mais comum. As pessoas sofrem, mas não sabem porque sofrem. As‑ sim, ficam impossibilitadas de chegar à origem do seu descon‑ forto. Com um pouco mais de reflexão, o sofrimento poderia ter
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temporário da sua casa e dos seus familiares e amigos, ficando nas mãos de sequestradores que pretendem arrancar um valor financeiro à família da vítima. O sequestro da subjetividade refere‑se a outra forma de afas‑ tamento. Neste caso, a privação mais prejudicial que sofremos é a privação de nós mesmos. Estamos a falar de um vínculo que mina a nossa capacidade de sermos quem somos, de pensarmos por nós mesmos, de usufruirmos da nossa autonomia, de to‑ marmos decisões e de exercermos a nossa liberdade de escolha. Trata‑se de um roubo silencioso que nos leva de nós mesmos. Estes sequestros são acontecimentos comuns que não são no‑ ticiados. São subtis, mas altamente destruidores, uma vez que fragilizam e impossibilitam o ser humano de viver a plenitude para a qual foi feito. Portanto, este livro propõe‑se refletir brevemente sobre os malefícios desta perda de pertença a si próprio. O seu princi‑ pal objetivo é lançar luzes sobre as relações humanas que, num contexto de atitudes socialmente aceites, concretizam o mes‑ mo movimento de rendição que é próprio da relação entre se‑ questrado e sequestrador. Por isso, partiremos desta primeira modalidade de sequestro, evidenciando que, sempre que uma pessoa é retirada do seu mundo particular e subjugada aos maus‑ ‑tratos de um cativeiro, inicia‑se nela um terrível processo de submissão, que a conduzirá à condição de vítima. Vitimada, a pessoa desiste de si mesma e passa a obedecer às ordens e aos desejos do seu algoz. Paralelamente ao sequestro do corpo, colocaremos a ques‑ tão do sequestro da subjetividade. Como já foi dito, o roubo da subjetividade nasce a partir de qualquer relação que prive um
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ser humano de dispor de si, da sua pertença de si e que o prive de administrar a sua própria vida. O sequestro da subjetividade pode acontecer em todos os ti‑ pos de relacionamentos. Nenhuma relação humana está livre de se transformar em roubo ou em perda de identidade, ainda que as pessoas nos pareçam bem‑intencionadas. Um só descui‑ do e as relações podem evoluir para essa violência silenciosa. Basta que as pessoas percam as suas referências, que se dis‑ tanciem do verdadeiro significado de proteção , que confundam amor com posse, que abdiquem da sua identidade e que se au‑ sentem de si mesmas. As consequências dessa violência são nefastas. Nada pode ser mais cruel do que ser‑se privado de si mesmo. Ou seja, de abdicar de se ser quem é, de não ter coragem de romper com os condicionamentos que nos impedem de edificar a nossa pró‑ pria vida. Frequentemente encontro pessoas que têm de lidar com um mal‑estar psicológico fruto do roubo que sofreram. É um sofrimento que num primeiro momento não se identi‑ fica, mas que depois é somatizado e se manifesta em nós por meio de doenças fatais. Muitas doenças nascem da consciência deprimente, da dura necessidade de ter de assumir, não perante os outros, mas peran‑ te nós mesmos, que a nossa vida foi cobardemente desperdiçada, que não vivemos como poderíamos ter vivido. Que não corremos atrás dos sonhos que eram nossos, e que trocamos as nossas es‑ peranças por expetativas alheias. Uma vida inteira de autoflage‑ lação. Um crime afetivo que se desdobra em doença na carne. A enfermidade que nasce do reconhecimento de que não fomos fiéis a nós mesmos, de que não nos empenhamos o suficiente
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nos princípios evangélicos. O porto do qual partimos é a expe‑ riência concreta que tenho de Jesus e da sua palavra. Esta verdade acompanha‑me. O evangelho é um instrumento poderoso, capaz de promover a vida e a liberdade necessária para vivê‑la bem. Nos relatos dos evangelhos, Jesus é apresentado como o li‑ bertador. Ele é o enviado que tem como missão específica salvar o ser humano de todas as amarras que o privam da sua realiza‑ ção. Ele é Deus encarnado, o Verbo que assume a carne huma‑ na para resgatá‑la das suas escravidões. Por isso, a palavra de Jesus é sempre simbólica. Porquê? Por‑ que, quando fala, faz com que ultrapassemos o limite da palavra dita. A palavra de Jesus alcança o mais profundo do coração e ajuda‑nos a reunir as pontas que antes estavam soltas, provo‑ cando sofrimento. Vou explicar melhor. O que é um símbolo? É toda e qualquer realidade que constrói uma ponte por onde podemos alcançar o outro lado. O símbolo cumpre o papel de nos conduzir ao signi‑ ficado de tudo o que ainda nos é estranho. A palavra é simbólica. Abre‑nos portas para que possamos aprofundar o conhecimento das coisas. Um dia, alguém nos ensinou o significado da pala‑ vra «porta». Num primeiro momento, descobrimos que as por‑ tas são estruturas concretas que nos servem de proteção. Com o tempo, fomos ampliando este significado, utilizando‑o para além do seu aspeto concreto. A palavra porta tornou‑se o sím‑ bolo que nos facilitou compreender e fazer compreender algu‑ mas realidades que a palavra não pode alcançar. O símbolo é um desdobramento do discurso poético. Ultra‑ passa a inteligência do mundo e consola‑nos com o descanso que só a poesia pode conceder‑nos.
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Diferente do símbolo, que une, é o diabólico. Este só estraga. Em vez de unir as pontas, afasta‑as ainda mais. Não favorece o conhecimento, dificulta‑o. Nem será preciso explicarmos mui‑ to este facto. Todos conhecemos de perto o poder das realida‑ des e das pessoas diabólicas. Identificamos constantemente os ferimentos que nelas têm origem. É dessas forças diabólicas que Jesus nos salva. A nossa liga‑ ção a Ele resgata‑nos de todas as escravidões que porventura venhamos a sofrer. De que maneira podemos identificá‑la na nossa vida? Como identificar, na realidade do dia a dia, que essa ação libertadora está a chegar junto de nós? Sabemos que a ação de Deus alcança a totalidade do que somos. O seu amor ultrapassa todas as dimensões da nossa existência. Quando dizemos que a sua proposta é que vivamos livres de tudo o que nos escraviza, estamos também a propor‑ ‑nos vencer o poder de tudo o que nos diaboliza. Sendo assim, a vida cristã consiste em ser uma referência de análise para to‑ dos os relacionamentos que estabelecemos. Se Deus nos quer livres, se a sua ação amorosa implica que mergulhemos nessa vocação pela liberdade, então devemos vi‑ ver de maneira a que tal liberdade seja possível. E, nessa altu‑ ra, apercebemo‑nos da necessidade constante de resguardar o dom recebido, zelando para que a nossa subjetividade não seja invadida por forças diabólicas que nos chegam através de cer‑ tas mentalidades e pessoas. Somos guardiões dessa liberdade. O cuidado para que os nos‑ sos relacionamentos não se transformem em sequestros é, antes de mais, uma atitude religiosa. Temos vocação para o símbolo. E temos de assumir e promover a riqueza de uma vida simbólica.