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Guias e Dicas
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RIO DE CONTAS SEGUNDO MARWIN HARRIS (Lucineide Santos), Manuais, Projetos, Pesquisas de Cultura

Projeto Columbia na Bahia

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2015

Compartilhado em 10/05/2015

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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Uesb
Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade
LUCINEIDE SANTOS SILVA
A MEMÓRIA DO TRABALHO:
RIO DE CONTAS SEGUNDO MARVIN HARRIS
Vitória da Conquista - Ba
Fevereiro de 2011
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Baixe RIO DE CONTAS SEGUNDO MARWIN HARRIS (Lucineide Santos) e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Cultura, somente na Docsity!

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Uesb

Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade

LUCINEIDE SANTOS SILVA

A MEMÓRIA DO TRABALHO:

RIO DE CONTAS SEGUNDO MARVIN HARRIS

Vitória da Conquista - Ba Fevereiro de 2011

i

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Uesb

Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade

LUCINEIDE SANTOS SILVA

A MEMÓRIA DO TRABALHO:

RIO DE CONTAS SEGUNDO MARVIN HARRIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, como requisito parcial e obrigatório para obtenção do título de Mestre em Memória: Linguagem e Sociedade. Orientador: Profº. Dr. José Rubens Mascarenhas de Almeida. Co-orientadora: Profª. Dra. Ana Elizabeth Santos Alves.

Vitória da Conquista - Ba Fevereiro de 2011

iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEMÓRIA: LINGUAGEM E

SOCIEDADE

BANCA EXAMINADORA

Profº. Dr. José Rubens Mascarenhas de Almeida (Uesb) (Orientador)

Profª. Dra. Ana Elizabeth Santos Alves (Uesb) (Co-orientadora)

Profª. Dra. Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro (Uesb)

Profº. Dr. José Claudinei Lombardi (Unicamp)

Suplentes

Profª. Dra. Livia Diana Rocha Magalhães (Uesb)

Profª. Dra. Mara Regina Martins Jacomeli (Unicamp)

Local e Data da Defesa de Dissertação: Vitória da Conquista, 03 de fevereiro de 2011

Resultado:

iv

“Os Trabalhadores não tem nada a perder se não suas correntes. Tem o mundo a ganhar." O Manifesto Comunista

vi

AGRADECIMENTOS

Agradecer, mas, afinal, o que significa? Simplesmente proferir a palavra “obrigada”. Sim, é isso, mas é muito mais que isso. Agradecer é o reconhecimento demonstrado pelo apoio e apreço que as pessoas dedicam a você e para o seu crescimento pessoal e intelectual. Cada gesto, cada palavra de incentivo que as pessoas realizam por você, traz transformações significativas em sua vida e seu cotidiano. Assim, não poderia deixar de proferir os meus agradecimentos por mais uma meta cumprida. Entretanto, desde já, peço perdão pelas omissões, pois, infelizmente, não será possível a lembrança da infindável lista dos que me acompanharam e colaboraram neste processo.

Inicialmente, um especial agradecimento à Coordenação do Mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade, Profª. Dra. Maria da Conceição Fonseca-Silva, e Profª. Dra. Lívia Diana Rocha Magalhães. São, definitivamente mentoras intelectuais deste projeto de mestrado, pois pensam, elaboram, buscam as estratégicas para que as metas sejam realizadas. É admirável como cada uma, do seu jeito, media os passos que norteiam esta realidade. Digo, sinceramente, que as admiro.

Agradeço aos meus orientadores: Profº. Dr. José Rubens Mascarenhas de Almeida e Profª. Dra. Ana Elizabeth Santos Alves, que com perspicácia e habilidade souberam interpretar as minhas inquietações e nortear os princípios e critérios fundamentais para a realização de uma pesquisa que visa dar respostas instigantes a uma determinada problemática. A vasta experiência intelectual que meus orientadores possuem, foi, sem sombra de dúvida, forte antídoto ao incentivo para com uma orientanda, marinheira de primeira viagem. Digo-lhes sinceramente, aprendi muito com vocês.

Agradeço à Banca de Qualificação, Profª. Dra. Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro e Profª. Dra. Maria Aparecida Silva Sousa, que com larga experiência intelectual leram minha proposta de pesquisa e trouxeram contribuições valiosíssimas para a completude do trabalho.

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À família: pai, mãe, as meninas (minhas irmãs) e os meninos (meus irmãos), minha querida prima Vanusa, meus queridos tios Domingos e Vitória, que me receberam em Campinas. Os meus sinceros agradecimentos pelas relações de afeto incondicional. Com eles, foi possível dividir o peso da responsabilidade no sentido de aparar as arestas nos momentos difíceis. Agradeço a André Caíres pelo seu empenho e habilidade em traduzir uma considerável parte do livro de Marvin Harris.

Um agradecimento especial aos amigos Ruy Medeiros, Baixo, Carlos Alberto Maia, Hamilton Britto, Gilberto Gonçalves, Eduardo Meira, Jorge Oliver que com grandeza e paciência contribuíram para a realização desta pesquisa, através dos diálogos formais e informais, da disponibilidade de material intelectual e por serem meus grandes amigos. A todos os(as) companheiros (as) da Oposição Operária que compartilhamos juntos a problemática da classe trabalhadora.

Eu jamais posso me esquecer do Profº. Dr. Edson Silva de Farias: com sua intelectualidade ímpar nos fez passear pela trilhas da memória, enfatizando sua marca indelével no cotidiano e na vida das pessoas. E, também, dos professores que ministraram nossas aulas.

Um sincero obrigado à Profª. Dra. Marineide Maria Silva que me acolheu de braços abertos para a experiência do Tirocínio e me passou uma série de experiências e dinâmicas de como lidar com o ensino docente.

Em Campinas, tenho que agradecer de modo especial à Profª. Dra. Liliana Rolfsen Petrilli Segnini e Profª. Dra Ediógenes Aragão Santos, pelos momentos de debates que nos proporcionaram e ao Profº. Dr. José Claudinei Lombardi pelo contato que fizemos no período.

Aos colegas de curso, pelo aconchego caloroso, por tantas alegrias e pela contribuição ao debates nas aulas proferidas. Que turma é essa? Que carinhosa!

A você Dani, no momento de sufoco você esteve lá.

Agradeço aos funcionários do Mestrado e da UNICAMP que nos acolheu com tanto calor humano e sempre estiveram aptos a trabalham com eficiência e contribuir em muito para o andamento da proposta.

ix

RESUMO

A pesquisa pretende investigar de que modo os estudos produzidos por Marvin Harris em seu livro Town & Country in Brazil: a socio-anthroplogical study of a small Brazilian town, publicado em 1956, recuperaram a memória do trabalho em Rio de Contas, no contexto histórico dos anos 1950; quais interlocuções foram construídas em torno do Trabalho pelos estudos de comunidade e nas histórias contadas pelos sujeitos históricos, resgatando a priori a participação do Projeto Columbia no Brasil nos anos 1950 e seus desdobramentos para o conjunto da sociedade. A pesquisa de Harris faz parte de sua contribuição para os estudos de comunidade promovidos pelo Projeto Columbia realizados no Brasil nos anos 1950 com parceria entre a Universidade de Columbia dos Estados Unidos em convênio com a Secretaria de Educação do Estado da Bahia e a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência. A investigação parte do princípio de que a região em estudo foi marcada em todas as instâncias pelo seu passado de mineração, cujo trabalho deixou suas marcas incrustadas nos monumentos, casas, armazéns, vendas, botequins, lojas, fábricas, estradas, ruas, igrejas, na criatividade do artesanato e nas manifestações subjetivas das relações sociais presentes nos anos 1950, evidenciando suas “memórias subterrâneas”. Buscar na preciosidade das letras de Harris é um achado arqueológico, pois seu livro representa trazer à tona os resquícios da memória do trabalho que nessa região tão fortemente cravou seus signos. Para dar conta dessa tarefa, fez-se necessário discutir categorias como Memória e Trabalho, buscando analisá-las à luz do materialismo histórico e assim, transpor essa análise nas traçadas linhas de Harris, tendo em vista contribuir para o resgate da memória do trabalho em Rio de Contas.

PALAVRAS-CHAVE: Memória; Trabalho; Rio de Contas.

x

ABSTRACT

The research aims to investigate how the studies produced by Marvin Harris in his book Town & Country in Brazil: a socio-anthropological study of a small Brazilian town , published in 1956, recovered labor memory in Rio de Contas, in the historical context of the 1950’s; which interlocutions were built around Labor by the community studies and stories told by historical subjects, recovering a priori the participation of Columbia Project in Brazil in the 1950’s and its implications for society as a whole. Harris’s research is part of his contribution to the community studies promoted by Columbia Project and held in Brazil in the 1950’s with partnership between Columbia University in the United States in an agreement with the Department of Education of the State of Bahia and the Foundation for the Advancement of Science. The investigation starts from the principle that the studied area was marked in all instances by its mining past, whose work left their marks embedded in monuments, houses, warehouses, vendas , botequins , shops, factories, roads, streets, churches, in the creative handicraft and in the subjective manifestations of social relations present in the 1950's, showing their "underground memories". Searching in the preciousness of Harris’ words is an archaeological find, because his book means bringing out the remnants of labor memory which so strongly carved its signs in this region. In order to accomplish this task, it was necessary to discuss categories such as Memory and Labor and try to analyze them on the basis of the historical materialism and thus incorporate this analysis in Harris’ drawn lines, aiming to contribute to the recovery of labor memory in Rio de Contas.

KEYWORDS: Memory; Labor; Rio de Contas.

xii

  • 1 INTRODUÇÃO SUMÁRIO
  • 2 A MEMÓRIA ENTRE A TRADIÇÃO ORAL E ESCRITA
  • 2.1 Tradição oral e escrita: duas faces de uma mesma moeda
  • 2.2 As interfaces da memória
  • 2.3 Memória: percursos e percalços....................................................................................
  • 2.4 Memória: lembrança e esquecimento, um construto social........................................
  • 2.5 As memórias subterrâneas e a cisão entre a aparência e a essência
    • 3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A CATEGORIA TRABALHO....................
      • CAPITALISTA MUNDIAL 4 O BRASIL E A BAHIA NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO
  • 4.2 Rio de Contas: base da pesquisa do Projeto Columbia................................................
  • 4.2.1 O Projeto Columbia e os Estudos de Comunidade.........................................................
  • 5 A MEMÓRIA DO TRABALHO SEGUNDO MARVIN HARRIS
  • 5.1 O autor e sua obra
  • 5.2 Rio de Contas: primeiras impressões do antropólogo estadunidense.......................
  • 5.3 A economia e as relações de produção..........................................................................
  • 5.4 As ocupações
  • 5.4.1 A produção artesanal
  • 5.5 Lojas, vendas e armazéns: as portas do comércio
  • 5.6 As expectativas em torno do ouro
  • 5.7 A memória do trabalho no campo.................................................................................
  • 5.7.1 Sobre as fazendas...........................................................................................................
  • 5.7.2 A produção agrícola nos povoados................................................................................
  • 5.7.3 A memória dos trabalhadores migrantes
  • 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................
  • 6.1 Os trabalhadores e os resquícios da memória
  • REFERÊNCIAS..................................................................................................................

1 INTRODUÇÃO

O nosso interesse em compreender a natureza do conhecimento acerca da categoria Trabalho e das relações de produção na sociedade capitalista surgiu basicamente a partir de 1999, na prática profissional e na nossa participação no Sindicato dos Professores Municipais de Vitória da Conquista, BA, no contexto de lutas históricas dos professores. Naquela oportunidade, travamos uma série de debates com o poder público, com a base dos professores e com a comunidade, em que foi oportuno realizarmos vários eventos que contemplavam a temática em questão. Essa experiência nos possibilitou perceber as contradições impostas ao mundo moderno pelo sistema capitalista, nos estimulando ao aprofundamento de estudos em torno da categoria trabalho , sobretudo, a partir das duas últimas décadas do século XX, em que novas formas de gestão e organização da produção foram pensadas na direção de impor uma nova configuração às relações de trabalho, envolvendo o conjunto da sociedade. Ingressamos no curso de Especialização em Metodologia do Ensino Superior, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, sendo possível debruçar nos estudos, levando, ao seu final, à realização de uma pesquisa sobre as relações de trabalho no campo educacional, mais precisamente, no curso de Geografia, observando seus reflexos materializados nas relações do cotidiano da escola e dos professores. Essa pesquisa trouxe resultados que suscitaram o desejo de continuar o debate, sobretudo porque vivíamos no início do século XXI um momento propício para compreender quais concepções forjavam a nova realidade que se avizinhava. Com esse propósito, ingressamos no Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho e Educação, do Museu Pedagógico. Em parte, graças ao trabalho no grupo de pesquisa e, recentemente, o Mestrado em Memória: Linguagem e Sociedade está sendo possível aprofundar estudos a respeito da temática. O Museu Pedagógico, com a finalidade de ampliar sua trajetória de estudos, está desenvolvendo um projeto de pesquisa em parceria com professores da UNICAMP e da UNEB, cujo objetivo é revisitar o “Programa de Ciências Sociais do Estado da Bahia – Columbia University ” no intuito de disponibilizar fontes documentais que retratam as ideias norteadoras acerca da educação na Bahia e no Brasil, a partir dos anos de 1950. Esta dissertação busca aprofundar o debate sobre a categoria trabalho a partir do levantamento bibliográfico realizado pela equipe de pesquisadores envolvida nos estudos em torno do Projeto Columbia, articulado por Anísio Teixeira, em 1950, com estreita colaboração

de políticas públicas que adviriam dos resultados das atividades científicas realizadas pela equipe do Projeto. Em cada uma dessas regiões foram escolhidas duas comunidades: uma representando o pólo da tradição, e a outra, a mudança. Os estudos das regiões foram realizados segundo o método de pesquisa dos estudos de comunidade, presente no Brasil nas décadas de 1940 e

  1. Tais estudos surgiram, naquele momento, como um método inovador, permitindo a investigação de

pedaços da sociedade – as comunidades – como se fossem aldeias indígenas, utilizando métodos de observação participante, documentação censitária, histórias de vida, entrevistas dirigidas, formulando um retrato multidimensional da vida social e integrando o estudo das manifestações culturais à análise de seu substrato social e econômico (DURHAM, 2004, p. 21).

A proposta do Projeto Columbia era elaborar análises comparativas de diferentes localidades (comunidades) a partir da categoria desenvolvimento , fato observado, conforme Castro (2001), nas preocupações da investigação realizada por Harris (1956) em Rio de Contas, com respeito à densidade demográfica, atividades produtivas, à infra-estrutura local (eletricidade, estradas, transporte, hospitais, escolas, etc.), e o acesso, por parte de visitantes, a essas localidades. Para conhecer a realidade do Estado, segundo Wagley, Azevedo e Costa Pinto, seria necessário debruçar-se sobre um vasto campo empírico e, assim, perceber até que ponto essas regiões estavam se adequando à ideia de um Brasil modernizado, desenvolvido, industrializado (CONSORTE, 1999). Naquela ocasião, as mudanças estavam sendo anunciadas conforme as transformações ocorridas com o fim da Segunda Guerra Mundial, dentre as quais o processo de redemocratização do país e as mudanças econômicas oriundas da implantação do avanço da industrialização e do capitalismo. Essas preocupações traduziam, nos anos 1950, a sensação coletiva de uma transição entre uma sociedade “atrasada” e desigual para uma sociedade industrializada e urbanizada. Implicava compreender o Brasil no descompasso temporal e espacial, produzindo a imagem de “dois Brasis”: uma parte da sociedade brasileira continuaria a se mover por formas de vida tradicional, regionalista, construídas segundo critérios rígidos de participação familiar, por sexo, parentesco, prestígio local; e outra parte desta sociedade já era considerada membro da modernidade (SADER e PAOLI, 2004).

As regiões do Brasil eram vistas como expressão de um mundo dual, o qual se explicaria por suas características modernas ou pelo seu arcaísmo (segundo o tipo de povoamento ou atividade econômica). Confrontam-se “o velho representado pelo imobilismo do interior (o sertão da pecuária, do latifúndio, do coronelismo, do agrarismo tradicional), e o novo, representado pelo litoral que se vincula à indústria, ao grande comércio, às formas avançadas de civilização, ao dinamismo”, caracterizado pelo descompasso nas práticas espaciais (LINHARES e SILVA, 1981, p. 42). O município de Rio de Contas, local escolhido pelo Projeto Columbia, destaca-se enquanto uma região eminentemente agrária. Pereira (1940) atribuía ao município características muito peculiares que lhe possibilitava tornar-se um espaço de articulação, inicialmente, para a sobrevivência de povos negros com o cultivo de subsistência, mais tarde por conta da construção de estradas para encurtar as distâncias entre Goiás e Bahia e, posteriormente, para a exploração de mineração na região (século XVIII). Assim, o que move o desenvolvimento desta pesquisa perpassa uma análise do livro Town & Country in Brazil , de autoria do antropólogo estadunidense Harris, tendo como foco central as temáticas da Memória e do Trabalho, na expectativa de compreender a concepção de trabalho presente, e que implicações materiais ocasionaram, em Rio de Contas, observando essas questões a partir da contribuição do livro e da memória narrada pelos seus sujeitos históricos. Nesse sentido, essa obra foi tomada como principal fonte documental, buscando dialogar com outras produções que contribuem do ponto de vista do contexto histórico, para a análise das categorias aqui referenciadas. Sendo assim, procuramos reconstruir a memória do trabalho dos anos 1950 no município de Rio de Contas, a partir dos estudos feitos por Marvin Harris, tendo como foco central as relações de produção capitalistas. A hipótese que norteia este estudo parte do princípio de que os dados colhidos por Harris pressupõem uma espécie de solidariedade entre os sujeitos históricos para o desenvolvimento econômico da sociedade. Uma solidariedade, no entanto, que não aponta a contradição capital/trabalho. Essa relação pode ser observada, claramente, quando descreve episódios em que as relações de trabalho estão altamente fragmentadas e desarticuladas para seu fim. Assim, é pertinente a análise fundada nas categorias aqui eleitas, pois que elas apontam as contradições que permeiam as relações de produção do período, procurando articular o estudo a partir das categorias mais simples às mais complexas, formando um todo estruturado e hierarquizado. Para dar conta do objeto, numa perspectiva crítica do contexto dos anos 1950, tomamos por método o materialismo histórico e, sob tal prisma, interpretamos as fontes

com Marx (2006), que o trabalho é uma categoria central para explicar as relações imbricadas na sociedade capitalista. Desse modo, faz-se inequivocamente necessária a recuperação da Memória do Trabalho em Rio de Contas, o que tentamos fazer através da interpretação dos arquivos documentais da cidade e da história oral, buscando detectar os feitos históricos que, gradativamente, deram feição à cidade de Rio de Contas, terra inóspita e impenetrável que se tornou fonte de riqueza e ganhou a atenção do mundo, pela sua extrema capacidade de emergir mananciais de diversificados tipos de minérios, e posteriormente a imensa brota de artistas com potencial incalculável de criação em todos os ramos da cultura e do artesanato, a partir de uma construção social que se expressa na racionalidade humana objetivada e elaborada no e pelo trabalho, no tempo e no espaço, sofrendo modificações e observando as transformações ocorridas historicamente. Com isso, entendemos como necessário um mergulho na citada obra de Harris. O nosso recorte temporal está delimitado em meados do século XX, mais precisamente na década de 1950, período correspondente à recomposição capitalista do pós- Segunda Guerra Mundial e, não coincidentemente, da elaboração do Projeto Columbia. Este projeto, no auge de suas pesquisas empíricas no Brasil, foi embalado por produções teóricas que pensavam um sentido de progresso e de desenvolvimento do país buscando prepará-lo para integrar-se ao espaço capitalista mundial de forma condizente com a então fase de desenvolvimento capitalista, o que implica dizer, a nova recomposição sistêmica, agora sob o imperial-capitalismo estadunidense. Perseguindo essa trajetória, realizamos um levantamento bibliográfico no qual, de início, detectamos alguns trabalhos da professora e antropóloga Consorte (relatos, entrevistas etc.), nas quais descreve a sua participação como auxiliar de pesquisa nos estudos realizados por Harris durante a execução do Projeto Columbia. Ao longo de vários meses, ela trabalhou na coleta de dados socioeconômicos e culturais da vida cotidiana das pessoas desse município. Tais publicações foram o resultado dessas suas experiências e hoje nos serve de importantes fontes de pesquisa. Por sua vez, a pesquisa desenvolvida por Harris, posteriormente transformada em livro, foi fruto e parte integrante do Projeto Columbia. No estudo realizado no município de Rio de Contas entre 1950 e 1951, o autor aponta, de modo implícito, a presença marcante das relações de produção em todas as esferas: social, política, cultural e econômica. Resgata a história do lugar, enfatizando questões da vida das pessoas, seu passado, suas crenças, suas

condições materiais, suas possibilidades de articulação com outros espaços – por meio da cultura e do comércio – e de sua origem aurífera, seu aspecto geográfico. O município de Rio de Contas é reconhecido como o pólo de tradição, um lugar isolado, sempre comparado com outra cidade da região, Vila Nova (Livramento do Brumado), lócus com maior capacidade de transformação e adequação ao desenvolvimento por que passava o Brasil dos anos 1950. Segundo Harris (1956), essa suposta inadequação à mudança se tornaria um entrave para o desenvolvimento de Rio de Contas, particularmente no que diz respeito à articulação com outros espaços. Minas Velhas foi o nome com que Harris se referia a Rio de Contas em seu livro, mas como sabemos que ao longo do tempo histórico o município de Rio de Contas recebeu vários nomes até chegar ao atual, doravante nos referiremos ao município com o seu nome atual, Rio de Contas. Apenas nas citações originais da obra de Harris usaremos o termo Minas Velhas. Cabe salientar que o termo Minas Velhas, utilizado por Marvin Harris, foi em pregado como nome fictício dessa localidade, pois foi adotado em conformidade com a praxe desses estudos. AZEVEDO (1956, p.164) A pesquisa que agora apresentamos nos possibilitou mergulhar na produção teórica do Brasil dos anos 1950 e conhecer de perto o que representou para o Brasil o Projeto Columbia, colocando o município de Rio de Contas como um dos berços de sua investigação. Nesse sentido, para melhor entender as relações de trabalho em Rio de Contas, focalizamos, fundamentalmente, sua economia local e as relações de trabalho nos anos 1950 e 1951, aplicando-lhe categorias materialistas que, pensamos, contribuem para a sua compreensão. Assim, apresentamos nossa pesquisa estruturada em quatro capítulos. No primeiro, apresentamos uma discussão teórica em torno da memória, numa perspectiva mais geral, marcada por um frutuoso debate de um tema que, historicamente, percorreu caminhos tortuosos e oficializou registros seletivos. Rio de Contas dos anos 1950 não ficou à margem dessa realidade. Sua memória emerge do esquecimento. Nesse lugar foi apagada a memória do trabalho. Juntamente com ela, apagou-se a memória dos risos, da conversa informal na varanda ao fim da tarde, das reticências, dos gemidos, das queixas, da resistência e da luta dos trabalhadores que viveram e construíram esse lugar, cujo cotidiano foi marcado por contradições e desigualdades sociais, o que nos reporta à expressão “memórias subterrâneas” como significado da essência a ser arrancada dos fundos da história. Harris (1956) já apontava, à época do Projeto Columbia, que as desigualdades sociais eram algo premente na região. O segundo capítulo introduz a categoria trabalho sob a perspectiva do materialismo histórico. Essa escolha nos remeteu à leitura de textos marxianos, como O Capital , nos quais