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Ritmo de Aprendizagem: Um Mito na Educação?, Notas de estudo de Lógica

Este artigo discute o conceito de ritmo de aprendizagem, questionando a existência de limites ou possibilidades nesse processo. O autor reflete sobre as implicações desta ideia e encaminha reflexões sobre seus usos. Antes de abordar as ideias atuais, recordamos apenas duas concepções para explicar o conhecimento: inatismo e empirismo. A ideia de ritmo de aprendizagem, anterior a esses teóricos, é tipicamente inatista, pois acredita-se que a aprendizagem tem uma velocidade associada à idade, maturação, desenvolvimento natural. No entanto, o autor acredita que o processo de aprendizagem é animado por um interesse, uma motivação, uma necessidade, e que a ordem inicial se abala, provocando uma desordem que, pela interação entre elas, faz com que o indivíduo alcance uma nova organização de ideias. O artigo pode conduzir duas interpretações e encaminhar duas analogias para o processo de aprendizagem.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Ronaldinho890
Ronaldinho890 🇧🇷

4.3

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Referencia bibliográfica: SCHWARTZ, Suzana. Aprendizagem: questão de ritmo?
EM: ABRAHAO, Maria Helena M.B. (org.) Professores e alunos: aprendizagens em
comunidades de prática educativa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
APRENDIZAGEM: QUESTÃO DE RITMO?
Suzana Schwartz
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Resumo: A expressão ritmo de aprendizagem tem sido utilizada nos mais
diferentes contextos e com diferentes usos e significados. Este artigo pretende discutir
alguns conceitos, em especial o conceito de ritmo de aprendizagem, a fim de refletir
sobre a existência ou não deste limite/possibilidade nos processos de ensino e de
aprendizagem, bem como encaminhar reflexões sobre os usos que tal conceito poderia
ter.
O TEMPO
Segundo a mitologia grega, Cronos, deus do tempo, devorava os próprios filhos
para que nenhum deles pudesse um dia roubar-lhe o trono. Salvo pela mãe, Réia, Zeus
conseguiu escapar ao trágico destino que o aguardava, vindo posteriormente a destronar
o pai e a tornar-se rei dos deuses.
Essa lenda destaca o caráter destrutivo do tempo, tão valorizado pelo senso
comum. Os objetos queridos, as paixões, as realizações mais grandiosas cedem perante
esse “senhor” que parece reger os destinos. Existe, inclusive, um ditado popular que diz
que se a vida é uma escola, os anos são professores. O saber acumulado no dia a dia
constitui uma ferramenta auxiliar na articulação do conhecimento do mundo.
O tempo cronológico, conforme é concebido no cotidiano, escorre na passagem
da areia pelo orifício da ampulheta, nas badaladas de um velho carrilhão, no tique-taque
do despertador ou em qualquer outro instrumento que se queira tomar como referencial
de medida. Porém, em vários momentos temos a sensação de que o tempo vivido e o
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Doutora em Educação PUCRS Professora UNIPAMPA Curso Pedagogia Campus Jaguarão
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Referencia bibliográfica: SCHWARTZ, Suzana. Aprendizagem: questão de ritmo? EM: ABRAHAO, Maria Helena M.B. (org.) Professores e alunos: aprendizagens em comunidades de prática educativa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

APRENDIZAGEM: QUESTÃO DE RITMO?

Suzana Schwartz^1

Resumo: A expressão ritmo de aprendizagem tem sido utilizada nos mais diferentes contextos e com diferentes usos e significados. Este artigo pretende discutir alguns conceitos, em especial o conceito de ritmo de aprendizagem, a fim de refletir sobre a existência ou não deste limite/possibilidade nos processos de ensino e de aprendizagem, bem como encaminhar reflexões sobre os usos que tal conceito poderia ter.

O TEMPO

Segundo a mitologia grega, Cronos, deus do tempo, devorava os próprios filhos para que nenhum deles pudesse um dia roubar-lhe o trono. Salvo pela mãe, Réia, Zeus conseguiu escapar ao trágico destino que o aguardava, vindo posteriormente a destronar o pai e a tornar-se rei dos deuses.

Essa lenda destaca o caráter destrutivo do tempo, tão valorizado pelo senso comum. Os objetos queridos, as paixões, as realizações mais grandiosas cedem perante esse “senhor” que parece reger os destinos. Existe, inclusive, um ditado popular que diz que se a vida é uma escola, os anos são professores. O saber acumulado no dia a dia constitui uma ferramenta auxiliar na articulação do conhecimento do mundo.

O tempo cronológico, conforme é concebido no cotidiano, escorre na passagem da areia pelo orifício da ampulheta, nas badaladas de um velho carrilhão, no tique-taque do despertador ou em qualquer outro instrumento que se queira tomar como referencial de medida. Porém, em vários momentos temos a sensação de que o tempo vivido e o

(^1) Doutora em Educação PUCRS – Professora UNIPAMPA – Curso Pedagogia – Campus Jaguarão

tempo cronológico não estão juntos. As horas e os dias muitas vezes indicam haver descompasso entre o que marcam os relógios e o os nossos sentimentos, o que indica ser o tempo pessoal regido por humores e sensações subjetivas. A alegria e o prazer são geralmente acompanhados pela sensação de passagem rápida do tempo, enquanto a tristeza, o medo, a espera, parecem fazer de cada minuto um século.

Neste sentido, o passado não possui apenas a dimensão do já acontecido, da "aurora de uma vida que os anos não trazem mais", como sugeriu Casemiro de Abreu. Ao contrário, pode anunciar-se como possibilidade do vir a ser:

“...o “déjá vu”. Será tal expressão realmente feliz? Não se deveria antes falar de acontecimentos que nos atingem na forma de um eco, cuja ressonância que o provocou parece ter sido emitida em um momento qualquer na escuridão da vida passada? Além disso, acontece que o choque com que um instante penetra em nossa consciência, como algo já vivido, nos atinge, o mais das vezes, na forma de um som. É uma palavra, um rumor ou um palpitar, aos quais se confere o poder de nos convocar desprevenidos ao frio jazigo do passado, de cuja abóbada o presente parece ressoar apenas como um eco.”(BENJAMIN, 1987b, p. 89)

A rememoração, a conexão, a relação estabelecida entre o “novo” e o “velho”, articulação do conhecido com o desconhecido, são processos nos quais o presente busca nos arquivos armazenados do passado encontrar compreensão, significado, algumas vezes aprender.

A continuidade estabelecida entre passado, presente e futuro se apresenta como condição imposta pela linearidade do pensamento que se esforça em atribuir às lembranças caráter contínuo para delas extrair lições úteis. Expressões como "esse filme eu já vi", "nessa eu não caio mais", típicas do vocabulário cotidiano, buscam construir a ponte entre o acontecido, o que acontece e o que acontecerá.

 TEMPO – RITMO

heterogêneas, que se rechaçam mutuamente. A desordem não só existe, como desempenha um papel produtivo no universo. É esta dialógica de ordem e desordem que produz todas as organizações existentes no universo. (MORIN, 1994,p.422)

A ruptura entre um nível de elaboração e outro é tão radical e marcante, que o sujeito a vive como uma autêntica perda, sem perceber que se trata de uma desconstrução, que será utilizada na construção seguinte com parte do material existente, porém numa nova estruturação em que o sujeito quase não reconhece imediatamente. (GROSSI, 1997)

A realidade é percebida graças a nossas estruturas mentais, (experiências passadas, história de vida), a nossos padrões, que permitem organizar a experiência no tempo e no espaço. Neste sentido, todo o conhecimento é uma tradução e uma reconstrução, que aceita e demanda diferentes interpretações.

Se quisermos "ajudar" a borboleta a sair do casulo libertando suas asas antes que ela faça isso por si mesma, provavelmente a borboleta será incapaz de voar, pois suas asas não terão tido o tempo suficiente para se fortalecer. A força que a borboleta faz para sair do casulo é necessária para que amadureça e se torne pronta para a vida.

A idéia expressa acima, pode comportar duas interpretações (pelo menos), e delas encaminhar duas analogias para o processo de aprendizagem:

  1. embora estejamos falando de borboletas e casulos - como disse Geraldo Vandré “mas com gente é diferente” - podemos entender que as estruturas mentais precisam amadurecer para compreender e então aprender (tese inatista); ou
  2. podemos entender que o próprio aprendiz precisa agir sobre o objeto do conhecimento, que ninguém pode fazer por ele e então aprender (tese sócio interacionista).

Ao agir sobre o objeto o aprendiz estará mobilizando hipóteses, construídas baseadas em conhecimentos prévios, relatos, informações, vivencias, experiências, que poderiam ser seus “arquivos mentais”. Assim, poderíamos dizer que quanto mais materiais estiverem arquivados mais elementos ele terá para compreender o novo/ velho, conhecido/desconhecido fenômeno que para ele se apresenta? Pergunta: estes

arquivos, os materiais nele contidos dependem de tempo cronológico, de quantidade ou de qualidade?

A fim de defender a hipótese de que não existe ritmo de aprendizagem, afirmo que o que existe são arquivos mais ou menos “ocupados” nos esquemas mentais dos aprendizes e que é a qualidade deste material arquivado que é determinante no processo de aprendizagem e não o tempo vivido ou a quantidade em que ele foi coletado. Imaginem um presidiário, sentenciado a prisão perpétua e que de fato vive mais de cem anos no mesmo presídio. Que tipo de “arquivos” teria ele sido capaz de construir/armazenar ao longo de sua existência? Que qualidade teria? Para quem entrasse naquela prisão hoje, provavelmente estes conhecimentos seriam muito mais valorizados do que os de um acadêmico com estudos aprofundados em algum tipo de ciência. Os conhecimentos a que me refiro, entretanto, e que estou tentando articular com o que alguns denominam ritmo de aprendizagem, é o conhecimento socialmente valorizado, culturalmente construído pela humanidade e que seria interessante ser socializado nas escolas. Entre estes conhecimentos: aprender a ler e a escrever. Madalena Freire (2003) afirmou que as palavras nos conceituam. A escolha que delas fazemos não é por acaso (nada é!), elas refletem ideologias, teorias de aprendizagem, mesmo que no momento de elegê-las não estejamos nos apercebendo disso. Da mesma forma, a questão do ritmo de aprendizagem se torna importante, se justifica, quando questionamos a serviço do que, de quem , está o uso desta expressão. Se, numa classe de alfabetização, direito de todos que almejam uma cidadania consciente e produtiva, um professor que não consegue/sabe/quer/ intervir a fim de que todos seus alunos aprendam a ler e a escrever, usa a expressão justificando a não aprendizagem de alguns alegando que: “é preciso respeitar o ritmo de cada um” ou “os que não aprenderam é porque têm um ritmo diferente de aprendizagem (“ obviamente”mais lento?), pergunto: A serviço de quem ou do que estaria tais expressões? A mim parecem querer isentar de responsabilidade o(a) professor(a), cuja clareza do papel que desempenha na sala de aula não permite tal isenção. Se, de fato existe ritmo de aprendizagem, como explicar que os que são mais lentos se concentram na faixa de renda mais baixa da população, pelo menos no Brasil? Como explicar a coincidência de, no que se refere à aprendizagem da leitura e da escrita,

Assim como, com relação aos fatores de ordem afetiva e relacional, o/a professor/a precisa, ao iniciar o trabalho, estabelecer condições favoráveis para atuação dos alunos e alunas, criando um clima propício na sala de aula, onde estes sintam-se à vontade para se expor, sem preocupações com erros e respostas indesejadas, sentindo-se parte de um grupo, com objetivo comum. Ao não dar a devida importância ao estabelecimento destes critérios, obedecendo à lógica do conteúdo, em detrimento da lógica da aprendizagem, dificilmente estas serão alcançadas. (GROSSI, 1998)

Segundo MORIN (2000a) o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que por sua vez, são catalisadores da pesquisa filosófica ou científica. A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo. Existe uma relação estreita entre inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo destruída, pelo déficit de emoção ou pelo seu excesso, podendo gerar mecanismos de defesa. Na configuração simplificadora da aprendizagem o conhecimento é dicotomizado, é ou isto ou aquilo, certo ou errado, centrado numa coerência redutora, que delimita os parâmetros, e é orientado por práticas e métodos que encaminham para enfatizar a memorização, a repetição e, talvez, o “ritmo”: quem copia mais rápido do quadro é quem aprende mais? A aprendizagem no Paradigma do Pensamento Complexo, procura distinguir e associar, não separar, compartimentar; é sensorial, pois a construção do conhecimento partindo da ação e da experiência humana não pode ser dissociada da emoção. É conexional, não dicotomizada:, significa que é aberta a novos conceitos, a caminhos imprevisíveis, ligada a um circuito relacional. O circuito relacional compreende a interligação das partes à propriedade do todo e vice-versa, valorizando o conhecimento das partes que constituem o objeto a ser conhecido para a compreensão do todo, e não o ritmo... Conduzir o processo de apropriação de conhecimento é muito diferente de transmitir conhecimentos, porque o processo que leva a aprender não é dependente apenas da lógica dos conhecimentos objetivos. A lógica que preside as aprendizagens é permeada pela subjetividade de hipóteses, como já se conhece na alfabetização, fruto da observação e elaboração personalizada das informações disponíveis no ambiente.

A aprendizagem, portanto, é resultado explícito de uma intervenção exterior, a qual só tem efetividade se internalizada a partir de uma elaboração interior. As aprendizagens acontecem a partir da pobreza ou da riqueza da intervenção do ambiente que nos é oportunizado freqüentar e não de características inatas do sujeito. Segundo Ferreiro (1991) o sujeito cognoscente é o que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia, e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito esperando que alguém possua um conhecimento e o transmita para ele, por um ato de benevolência. É um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo, e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza o seu mundo.

“Enquanto constroem significados sobre os conteúdos de ensino, os alunos constroem representações sobre sua situação de aprendizagem, que podem ser estimuladoras e desafiantes ou por outro lado, inatingíveis. O que também influencia nas representações que vão construir sobre si mesmos, onde podem considerar-se pessoas competentes, capacitados para construir estratégias de resolução dos problemas apresentados, ou, ao contrário, incompetentes e incapazes de aprender. Assim também os outros que participam do processo, poderão ser vistos como companheiros e pessoas que compartilham dos mesmos objetivos, ou como fiscais e repressores.” (Solé, 1994, p.33)

Desta maneira, poder-se-ia ressaltar que quando aprendemos, aprendemos os conteúdos e também que somos capazes de aprender e de transformá- los. Quando não aprendemos, podemos aprender que não somos capazes de realizar aprendizagens, nem de transformá-las. Neste contexto a auto-imagem inclui conjunto amplo de representações que as pessoas têm a respeito de si próprias, que englobam aspectos sociais, morais corporais, psicológicos, e outros; têm relação com o autoconhecimento, e inclui inferências pessoais – auto- estima. O termo auto-estima e suas derivações na educação têm uma história recente. A auto-estima pode ser desenvolvida, pois depende da situação psíquica do sujeito e esta pode ser modificada. Assim a auto-estima depende de como o indivíduo sente que o percebem, aceitam, valorizam e apreciam as pessoas importantes para ele, e também, do senso de pertencimento, da motivação. (Voli,1998) Significa que a interação do sujeito consigo mesmo depende também de sua situação e atuação

No sentido etimológico alfabetizar significa "levar à aquisição do alfabeto" o que deixa o termo reduzido a uma estratégia mecânica, articulado com a habilidade de codificar e decodificar grafemas e fonemas. Organismos internacionais como a ONU e a UNESCO consideram os índices de alfabetização de um país como indicadores do desenvolvimento, sendo proclamado e enaltecido seu valor. Porém, o conceito de “alfabetizado” permite múltiplas interpretações. Enquanto para alguns, ser alfabetizado significa dar conta da leitura de um pequeno texto, seja um bilhete ou um nome de rua, outros acentuam a importância de se estar situado numa cultura escrita, devendo ser considerado alfabetizado o sujeito que for capaz de ler e produzir, compreender e interpretar qualquer tipo de texto. Para outros, entre eles Paulo Freire, o termo está associado a uma leitura de mundo.Neste panorama, foram definidos os termos alfabetização básica, como a associação das letras e sons e sua articulação para construir a palavra escrita e alfabetização funcional, como a capacidade de ler e escrever um texto simples, segundo Magda Becker Soares e a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) ( MEC, 1999). O GEEMPA (1986, p.20) que define alfabetização como a construção de um objeto conceitual: " (...) é um objeto de natureza complexa, cuja apropriação requer um processo de longa duração, ou seja vários anos (...) e de Tfouni (1995, p.15) que concebe a alfabetização, como processo individual, que não se completa, visto que a sociedade está em contínuo processo de mudança, e a atualização individual para acompanhar estas mudanças é constante. FERREIRO E TEBEROVSKY (1991) definem psicogênese como a história/construção de uma idéia ou conceito, influenciada pela própria atividade intelectual do aprendiz. Pesquisas por elas realizadas, sobre o desenvolvimento deste processo o concebem como a trajetória que o alfabetizando precisa percorrer para compreender as características, a função e o valor da escrita, a partir do momento em que esta constitui objeto de seu conhecimento. Estes posicionamentos teóricos trouxeram constatações importantes a respeito da aquisição da leitura e da escrita. Constatações que deveriam encaminhar para uma prática pedagógica diferente da tradicional e simplificadora, (baseada na cópia, memorização e uso de cartilhas) em direção a uma abordagem que se desloca para a complexidade. No entanto, no ano 2002, na disciplina de Prática de Estágio Supervisionado, de uma Faculdade de Pedagogia de Porto Alegre, ao ser solicitado pela

professora que suas alunas fizessem observações em classes de alfabetização, em escolas da rede municipal, estadual e particulares, esta recebeu como retorno, observações que atestavam a utilização da prática tradicional por mais de 90% das classes observadas. Isto significa que importantes descobertas teóricas sobre a aprendizagem da leitura e da escrita não vêm sendo utilizadas por professores/as, que continuam desenvolvendo práticas baseadas apenas na lógica do conteúdo, sem considerarem uma lógica, constatada cientificamente, da aprendizagem.

" Disso resulta uma prática pedagógica que privilegia a cópia no ensino da escrita, a cartilha no ensino da leitura. Esse tipo de ação acrítica do alfabetizador baseia-se em opiniões alicerçadas no senso comum e nos princípios da formação empirista, dominantes no sistema educacional brasileiro." (Otero et al, 1993,p.21)

Esta realidade pode ser indício de um dos motivos pelos quais o Brasil apresenta os índices de analfabetismo e de evasão que são freqüentemente explorados pela mídia. Quanto mais rico tiver sido o contato com o mundo letrado, mais elementos o aluno terá para tentar compreender a estrutura e as finalidades da representação escrita. Mesmo aqueles mais desfavorecidos socialmente, já "sabem" muitas coisas a respeito deste processo, embora tenham menor contato com ele, independente de ser criança, jovem ou adulto. Nesta perspectiva, a prática educativa que se estabelece para desencadear o processo alfabetizador pode permanecer no sentido etimológico do alfabetizar ou pode transcendê- lo. Isto vai depender também da concepção de aprendizagem em que o professor se baseia. A compreensão da psicogênese da alfabetização e sua utilização na sala de aula implica mudança de ótica sobre esta aprendizagem. Na psicogênese existe uma forma específica de apropriação do conhecimento que não coincide com a lógica com que têm sido sistematizados os conteúdos nas cartilhas. Dessa maneira, a lógica das cartilhas, partindo do mais simples para o mais complexo, do menor para o maior, não obedece a uma lógica baseada nas hipóteses discutidas. A alfabetização para todos é, na linguagem de Paulo Freire, um “inédito-viável”, ou seja uma situação que ainda não está claramente definida e nem vivida, mas sonhada,

As potencialidades dos/as alunos/as para a alfabetização podem se transformar em competências efetivas através de aprendizagens que não intervêm espontaneamente, e que também não acontecem da mesma maneira, nem no mesmo ritmo, em cada indivíduo. Os esquemas de pensamento são diferentes, e a percepção disso é condição imprescindível_._ As competências são aprendizados construídos, e não virtualidades da espécie. Trata-se de aprender fazendo o que não se sabe fazer... ( Perrenoud ,1999 p.55) Neste sentido, Freire lista, (2000a, p.55) entre as qualidades importantes para um professor competente: a humildade, a amorosidade, a tolerância, a segurança, e a sabedoria de viver a tensão entre a paciência e a impaciência. A humildade , que contribui no reconhecimento de que o “meu óbvio" é diferente do óbvio do outro, e a perceber que neste óbvio há parcela de desconhecimento: ninguém sabe tudo; ninguém ignora tudo. A humildade me ajuda a jamais deixar-me prender no circuito da minha verdade".( Freire, 2000a, p. 56) A " amorosidade", como sentimento presente no fazer bem feito, gostar do que se faz. Ninguém aprende sem vínculo, seja de amor ou de ódio. O ódio não é o contrário do amor, o contrário do amor é a indiferença. (Freire,M. 2003) É na indiferença, no “fingir” que não vejo o aluno que senta só, no final da sala de aula, com quem ninguém que fazer trabalho em grupo, aquele que “não sabe nada, nem escrever seu nome”, que perpetuo esta situação. Aquele aluno que no inicio do ano a colega que foi sua professora no ano anterior, solícita, me avisa: “este não tem jeito, nem adianta tentar...” Este está no reino da indiferença, meu olhar não vê, meus ouvidos não ouvem, meu coração não sente... Está decretada sua sentença: “o ritmo dele é diferente, precisa de MUITOS anos para aprender (e não comigo!)”. A tolerância, sendo que tolerar implica o estabelecimento de um clima de limites e de princípios a serem respeitados, implica respeito pelo outro, disciplina e ética. “ A tolerância é a virtude que nos ensina a conviver com o diferente. A aprender com o diferente, a respeitar o diferente."( Freire, 2000, p. 59) Segurança refere à consistência teórica, à competência científica, clareza política e integridade ética. Não posso estar segura da minha ação se não sei o que faço, porque faço, para que faço e como faço. A importância de saber equilibrar a tensão entre a paciência e a impaciência. A paciência sozinha pode conduzir à acomodação, ao imobilismo, ao não agir. Por outro lado, a impaciência solitária pode levar ao ativismo cego. “ Viver e atuar

impacientemente paciente, sem jamais se dar a uma ou a outra isoladamente." ( Freire, 2000, p. 62) Neste contexto, se aprender é formular hipóteses que estruturam esquemas de pensamento e ensinar é acolher, respeitar e questionar, no momento adequado estas hipóteses, o processo de aprendizagem tem a força geradora em si mesmo e a energia que precisa sustentar as aprendizagens é a da lógica das seqüências de hipóteses que o aprendiz é capaz de formular e que, didaticamente, precisam ser acolhidas e respeitadas até o momento de serem contestadas, a fim de que possam embasar outras mais elaboradas. Sendo assim buscando explicitar o conceito de bom professor/a alfabetizador/a, construí uma analogia da psicogênese da língua escrita (FERREIRO,1991): a psicogênese da formação de um professor alfabetizador no Paradigma da Complexidade: Nível 1 - o professor se perceberia como profissional da aprendizagem, não apenas do ensino. Preocupado com a lógica da aprendizagem e com a do conteúdo; Nível 2 -consciente que conhecimento se constrói/descontrói/reconstrói, que ele e o aluno precisam aprender a pensar e reaprender a aprender. Nível 3 – percebendo a incompletude do conhecimento, e que só ensina quem aprende, e que para ensinar é preciso ouvir e acolher as hipóteses formuladas, "lendo" os seus contextos, sendo capaz de colocar-se empaticamente no lugar do aprendiz, diferente da perspectiva de quem já domina o conteúdo que deseja ensinar e que pensa que nada tem a aprender; Nível 4 - consciente de que todos podem aprender, e que, quando isto não ocorre, precisa repensar sua forma de atuação e sua responsabilidade neste ato; Nível 5 - poderá compreender que a inteligência é um processo, em que se torna inteligente aprendendo na interação entre pessoas, e entre estas e o mundo.

A psicogênese proposta, assim como a psicogênese da língua escrita, não acontece de forma linear, obedecendo a uma ordem estabelecida, em níveis consecutivos. Porém seus pressupostos se inter-relacionam de forma a criar uma autonomia/dependência constituindo a base e o corpo de uma proposta concreta de mudança. Sendo assim, a competência do professor alfabetizador está ligada ao desenvolvimento de uma nova visão dos processos de ensino e de aprendizagem e de

Trabalhando com crianças em uma cidade satélite de Brasília (é assim que a gente chama a periferia por aqui, chique né?), perguntei, individualmente, aos alunos para que serviam as letras, o Rafael disse com toda a segurança do mundo, que letras serviam para tapar buraco e estava no nível Pré-silábico. Algum tempo depois, descobri que no barraco em que morava havia um buraco no teto e seu pai, que havia comprado uma geladeira nova, usava o papelão da caixa (cheio de letras) para proteger a casa da chuva. O conjunto de representações simbólicas que Rafael vai construindo sobre leitura e escrita depende de seu contato com essas duas instâncias e da ação que seus pares exercem sobre elas. O Luiz achava que leitura era para rir ou chorar, e estava doido para aprender logo esse "negócio”. As cartas que seus pais liam, faziam rir ou chorar. Luiz chegou à escola no nível silábico. As experiências anteriores é que determinavam o momento dessas duas crianças, uma didática adequada certamente minimizará essa diferença, gerando aprendizagens aos dois alunos, porém uma didática inadequada acaba ampliando essa diferença e somos tentados a concluir, equivocadamente, que as duas crianças possuíam ritmos diferentes.” (R. novembro 1999) Pode-se perceber, portanto, que este artigo tem sido gestado há bastante tempo, e acredito que só me atrevi a iniciar o dolorido processo de transformar em escritos minhas idéias e reflexões pela demanda de uma das disciplinas que cursei no doutorado neste semestre onde em duas situações distintas surgiram “questões de ritmo”, utilizadas como uma “certeza” de ser um dos motivos da não aprendizagem, o que aumentou a minha preocupação com a ausência de reflexão sobre este tema e sobre o uso indevido que tem sido feito dele. Além disso, terminei a disciplina em dívida com a professora referente a trabalhos solicitados. Assim, movida por duas motivações distintas, iniciei com a tentativa de reflexão sobre os usos da expressão ritmo de aprendizagem nos contextos escolares. Submergi em tentativas de explicitação de conceitos que pareciam “obviamente” relacionados com a temática, outros nem tanto... Para falar em ritmo de aprendizagem, falamos em tempo, em aprendizagem, em professor/a, em alfabetização, e finalmente busco encaminhar algum avanço no sentido de sugerir usos e reflexões coerentes de palavras, conceitos e atitudes. Essas voltas todas se justificam pois o quadro educacional no Brasil está caótico, os índices de aprendizagem são muito distantes do mínimo pensado pela maioria de educadores do país. Por isso, me aventurei a naufragar e emergir, submergir, nadar, em

conceitos, na tentativa de direcionar o pensamento acadêmico para as questões que demandam atenção e desejo de transformação: a não aprendizagem dos alunos/as articulada com conceitos “óbvios” aceitos sem reflexão. A função social de mestrados e doutorados espalhados pelo país deveria ser investigar, pesquisar, produzir e divulgar conhecimento no sentido de tentar contribuir para mudar este quadro. No entanto, por motivos que não caberiam aqui analisar, isto não me parece estar ocorrendo. O que vejo é um círculo, ou melhor, dois círculos espirais rotatórios ascendentes (não no sentido qualitativo): num estão a academia, mestres e doutores, e noutro os professores/as do Ensino Fundamental e Médio, dando voltas em torno num da investigação, pesquisa, produção e divulgação (?!) – acaba ficando no mesmo circulo - e noutro na ação. Os círculos são paralelos (!) não se encontram jamais. Os acadêmicos parecem teorizar, sobre algo, uma entidade denominada escola onde outros seres praticam a pedagogia; e os que a praticam, quando lêem as teorias não se reconhecem e nem ao cenário... Lembro que, em 1996 fui apresentar um trabalho denominado Violência e Educação numa Feira de Iniciação Científica. Este trabalho era resultado de uma pesquisa realizada numa escola estadual de Porto Alegre, em classes de alfabetização. Resultou num software interativo, onde procurei retratar as violências que aconteciam na escola: “alunos que eram chamados de burros pela professora; crianças que não tinham permissão de questionar duvidas em aula e nem de ir ao banheiro ou beber água; professores que não se preocupavam com a aprendizagem de seus alunos, enchendo o quadro verde de textos sem sentido, apenas para ocupar o tempo...”. Após a apresentação deste trabalho para uma banca avaliativa, ouvi de um professor que “meu trabalho estava muito bonito, mas que era desatualizado pois estes fatos não aconteciam mais na escola”(!!). Percebe-se através desta situação relatada o distanciamento existente entre a academia e a “vida escolar”. Este deve ser também um dos motivos de convivermos tão “pacificamente” com expressões como: “indiada”, “baianada”, “negrice”, “judiaria”, “dia negro”, “o manto branco da paz”, ritmo de aprendizagem.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walther. Obras Escolhidas. São Paulo: Abril cultural, 1980 FERREIRO, E. & TEBEROSKI, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. 4 ª^ edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.