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Baixe SPOSATI, Aldaíza et al. (orgs) . Assistência na Trajetória das Políticas Sociais Brasileiras - Uma Questão em Análise e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Serviço Social, somente na Docsity!
RC DR POLITICAS SOCIAIS BRASILFIRAS suscita, de forma renova: da, diversas preocupações para todos aqueles que se interes» sam pelo assunto, São pontos marcantes desta pesquisa: o exame de várias formulações de política social, a presença da) assistência no conjunto de tal política, as) singularidades da assistência e do assistencialismo, e ainda suas relações: cem o Serviço Social, A assistência está colocada como um caminho a ser trilhado para a população empobreeida, na busca de bens e serviços, dentro dal dinâmica da sociedade de classes. Num Brasil transido pela discriminação econômica, social & política, a assistência pública realiza-se, ao mesmo tempo, sob) a forma Ge humanização de um capitalismo: virulento, assim como de: um protesto contra a miséria social, desesperadora e cons- tante, Crelo ser este o momento mais vigoroso e instigante deste estudo. Somente aí se pode divisar à importância e os limites da assistência pública; quando então se corporitica em auxílios parciais e provisórios, ISBN E5=249=-0033-4 o saspa lagos ar Ao Registro: 003677 ALDAIZA DE OLIVEIRA SPOSATI A ASSISTÊNCIA NA TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS DILSEA ADEODATA BONETTI - uma questão em análise MARIA CARMELITA YASBEK É Aldaiza de Oliveira Sposati, Dilsea Adeodata Bonetti, Maria Carmelita Yazbek, MARIA DO CARMO B. CARVALHO FALCÃO Maria do Carmo de Carvalho Capa: Paulo Ferreira Leite Revisão: Suely Bastos Assistência na trajetória das Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa das autoras e do editor. O 1985 by Autoras pa Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Bartira, 387 - Tel.: (011) 864-0111 05009-000 — São Paulo — SP Impresso no Brasil — Abril de 1998 6º edição É ] UMA QUESTÃO EM ANÁLISE RTEZ Essa am CONSULTORES Alexandrino Manguiria — CELATS Carlos Alfredo Souza Queiroz Diego Palma — CELATS Evaldo Amaro Vieira — PUCSP José Paulo Netto — PUCSP Lucio Kowarick — CEDEC Muria de Lourdes Covre — PUCSP Pedro Luiz Barros Silva — FUNDAP Sara Lia Werdesheim Colaboração — CNPq Sumário PREFÁCIO .. a 3 PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 7 APRESENTAÇÃO 9 ASSISTÊNCIA NA CRISE: bases e horizontes da questão o! 1. A constituição do objeto de estudo . 14 2. As perspectivas de análise 21 POLÍTICA SOCIAL E O ASSISTENCIAL: a reconstrução do significado .......csecstercerancenacarereracerererrerorirercencenessaenasa 27 1. O assistencial na política social 29 2. O assistencial e a conquista da cidadania . 34 SERVIÇO SOCIAL E O ASSISTENCIAL: a colocação hist da-questão 39 1. Aassistênci 40 2. O Serviço Social e a assistência 43 ASSISTÊNCIA — ASSISTENCIALISMO: a busca da superação da questão .... 1. Assistência e assistência social 2. Assistência e assistencialismo . ASSISTÊNCIA COMO AÇÃO GOVERNAMENTAL: o apatato estatal em questão .. 79 1. O formato burocrático da assistência social 81 2. A assistência com despesa pública .............. 92 À GUISA DE CONCLUSÃO .. BIBLIOGRAFIA de como o Estado brasileiro vem procurando “administrar” a situa- ção de miséria que assola parcela significativa de nossa população. É exatamente nesse ponto que a questão da assistência social parece evidenciar-se como elemento funcional e necessário para o enfrentamento, ainda que parcial e precário, das questões sociais no Brasil. Ao mesmo tempo, a política social brasileira e seu ramo assistencial vem se mostrando cada vez mais tímida e incapaz de sequer compensar problemas sociais referentes à miséria, à injustiça social colocando uma contradição cruel para os profissionais ligados diretamente a es problemática: O que fazer? Imobilizar-se? Sim- plesmente denunciar? Agir em qualquer direção? Preservar uma ca- tegoria profissional? O estudo “Assistência na trajetória das Políticas Sociais brasi- leiras” pretende abrir um caminho de reflexão acerca desses pro- blemas. Ao tentar analisar a questão da “Assistência Social” através de uma perspectiva histórica e abrangente, de análise da formação social brasileira e enquanto uma política governamental, este estudo abre uma trajetória fértil, ainda que complexa de investigação. Certamente, a pesquisa efetuada apresenta, como qualquer tra- balho, lacunas, interpretações polêmicas etc. Cabe lembrar porém, que seu mérito situa-se além desses problem: Ele reside, exata- mente, na coragem e na oportunidade de, ao questionar determina- das práticas, abrir caminhos para que novos trabalhos auxiliem, como este, o processo político de minimizar as tremendas desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira dos anos 80. Pedro Luiz Barros Silva FUNDAP O propósito de repensar o assistencial no Trabalho Social coincide acertadamente com uma polêm efetivamente em curso e central. É necessário superar as limitações da reconceitualização, já que esta, ao desprezar o “assistencialismo”, caiu no erro de não compreender que a istência, articulada com os movimentos so- ciais, podia contribuir no fortalecimento dos processos organizativos dos setores populares. Para isso, será necessário — como o texto coloca —, não ver somente que a assistência se reveste de um ca- ráter paliativo, mas sim desvelar as determinações sociais e históri- cas que atuam para dar-lhe existência no interior das relações de classe em seu jogo contraditório, a partir da perspectiva dos inte- resses populares. Cabe postular que « assistência é o que define o trabalho social como profissão. Sem assistência, o trabalho social deixa de ser, ou, o que é o mesmo, passa a ser outra profissão. A assistência, sem dúvida, tem caráter de classe. Se se deseja um trabalho social a serviço do povo, terá que ser uma assistência “liberadora” (mobi- lizadora, participativa, promocional etc.). O assistencialismo que a reconceituação quis desprezar correspondia à concepção paternalista, desmobilizadora e opressiva que requeriam as classes dominantes para controlar e submeter a insatisfação e protestos populares, po- rém, opondo-se a seu caráter reacionário, pretendeu também negar toda assistência, submetendo a profissão a um bloqueio paralisante. Alejandrino Maguifia CELATS “Parece-me que o objeto selecionado é sumamente importante, e dá oportunidade para elaborar perguntas significativas. Neste momento apresenta importância conjuntural: quando vários países na América Latina reabrem o caminho democrático e as políticas sociais recuperam sua importância, contraditória, tanto para a dominação como para os movimentos de base. Mais ainda, o objeto (o assistencial) se coloca no espaço de relações entre o Estado (a sociedade civil que se condensa no apa- rato estatal) e os setores populares (da dinâmica que perfila a si- tuação e as oportunidades dos setores populares). Por isso, enten- der mais esse objeto permite iluminar melhor, a partir da prática do Serviço Social, todo um contexto que interessa ao conjunto das Ciências Sociais.” Diego Palma CELATS São Paulo, setembro de 1985 PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO Com o caráter fundamental de trazer para debate e para objeto de pesquisa a questão da assistência e da assistência social, não se pode negar qué este ensaio tenha conseguido tal objetivo. A sucessão de debates no âmbito de organismos governamentais, de universidades, as discussões informais so- bre este texto foram contínuas desde a sua publicação. Este processo vem suscitando um conjunto de indagações, não sé para os interlocutores, como para os próprios autores. A polêmica conjuntural acerca da cidadania fez deste tema uma das principais questões para aprofundamento. O ardil contido no discurso acerca da expansão da cidada- nia, particularmente quando se refere às classes subalterni- zadas, provoca aparente homogeinização de matrizes teórico/ políticas antagônicas, transformando capitalistas e trabalha- dores em “aliados” na construção de relações democráticas. Com isto cria-se um aparente consenso que oculta tanto o balizamento liberal-burguês, da gênese deste discurso, quanto o confronto de forças e poder da relação de classes. Mas, por outro lado, é esse confronto de forças que possibilita que a luta das classes subalternizadas pela conquista de seus direitos sociais se constitua numa estratégia de ruptura no “jogo de conciliação” proposto pelas elites burguesas, sobre- tudo na Nova República. É só dentro desta conjuntura estraté- gica que se entendeu adequado o uso da expressão “nova cidadania”, embora apontando para a necessidade de estudos que aprofundem a questão. Nesse contexto, a assistência social enquanto prestação de serviços constitui uma mediação na relação de classes e é o desvelamento do caráter ideológico desta relação que per- mite apreendé-la como um espaço contraditório onde também ocoric a luta pelos direitos sociais. discussões sistemáticas com agentes institucionais da Secretaria de Promoção Social do Estado (no interior e na capital) e Secretaria da Família c Bem-Estar Social da Prefeitura do Município de São Paulo, num total de nove seminários que ênvolveram em torno de 1.200 par- ticipantes; º análise do relatório preliminar de pesquisa com especialistas, bus- cando ampliar a problematização do tema; º discussão do tema no III Encontro de Trabajo Social en La Unidad Latinoamericana, ocorrido em Lima, em novembro de 1984; análise da bibliografia publicada e de relatórios de pesquisas em andamento sobre a temática. A análise aqui desenvolvida não tem por objetivo a particulariza: de uma determinada prática ou o tratamento singular de uma experiência institucional. Sua matriz referencial se limita a tomar as políticas sociais brasileiras no seu conjunto. Com esse intuito adotaram-se três grandes cortes de análise: º o assistencial como mecanismo presente nas políticas sociais; º o assistencial como área de investimento do Estado brasileiro e pro- dutor de bens e serviços à força de trabalho; º o assistencial como mediação fundamental da prática do assistente social. Entendendo ser neste âmbito que se inscreve a ação dos assistentes sociais, o Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUC-SP adota como uma de suas linhas prioritárias de pesquisa o repen- sar a assistência social pública no Brasil, com o apoio do CNPq — Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O tratamento do tema foi organizado em cinco capítulos interde- pendentes segundo a lógica utilizada pelos autores. Cabe ao leitor refazer esta lógica no seu exercício de leitura, segundo os seus próprios critérios seletivos. ASSISTÊNCIA NA CRISE: bases e horizontes da questão Oitenta milhões de brasileiros constituem uma população de provável dependência social, Em outubro de 1984 a Secretaria de Assistência Social do Minis- tério da Previdência e Assistência Social, com base no PNAD-1982- FIBGE, mostrava que cerca de 64% dos brasileiros constituíam uma população de provável dependência social. Este número é composto por: quase 5% de maiores de 60 anos não economica- mente ativos (5.802.521); quase 20% de menores de 10 anos (31.601 .326); e 33% de maiores de 10 anos que não possuem rendimento fixo (40.501.863). Sessenta milhões de brasileiros detêm 12,6% da riqueza nacional e, em contrapartida, 12 milhões de brasileiros detêm mais de 50% dessa riqueza. De acordo com os censos FIBGE verifica-se que, em 1960, 50% da população brasileira (os mais pobres) detinham 17,4% da riqueza produzida no país. Em 1970 esta mesma população detinha 14,9% e, em 1980, este percentual desceu para apenas 12,6%. Enquanto isso, os 10% mais ricos da população brasileira, em 1960, detinham 39,6% da riqueza nacional, índice que passou em 1970 a 46,7% e, em 1980, a 50,9% Sessenta e seis milhões de brasileiros maiores de 10 anos vivem na zona urbana. Em 1982, dos quase 91 milhões de brasileiros maiores de 10 anos de idade, 72,7% (66.096.495) viviam em regiões urbanas, de acordo com o PNAD-FIBGE. Destes, 82,8% viviam sem rendi- mentos, ou ganhavam menos de dois salários mínimos. Mais de 50 milhões de brasileiros não têm água canalizada em seus domicílios. De acordo com o PNAD-1982-FIBGE, 10.533, 789 dos 27.401.345 domicílios não possuíam água canalizada. A precariedade de infra- H -estrutura domiciliar demonstra a agudez da pauperização que atinge a população. Vinte e um milhões de brasileiros que compõem a'força de trabalho ativa ganham até um salário mínimo, o que cobre 23% de suas necessidades. Em fevereiro de 1985, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) apontava que 40% da po- pulação economicamente ativa no Brasil ganhavam até um salário mínimo. O valor desse salário decaiu em quase 50%. Tendo por base os valores de dezembro de 1984, quando o salário mínimo era de Cr$ 166.560, seu equivalente em julho de 1940, quando foi instituído, corresponderia a Cr$ 309.936, valor que em janeiro de 1959 aumentou para Cr 446.561. O Brasil é um dos países onde se registram as maiores taxas de desi- gualdade social. World Devt Report, 1983 Possivelmente estas informações tornaram-se um lugar-comum para os brasileiros. A miséria é desnudada e apresentada em jornais, revistas, rádios, reportagens televisivas, filmes. Muitas perguntas surgem: como o brasileiro consegue ainda “manter o corpo em pé” e trabalhar? Com quais estratégias sobrevive? Como enfrenta a miséria e o desemprego? Uma rede de solidariedade social é estimulada. Chega-se a alterna- tivas do tipo: adote uma família nordestina! Adote um desempregado! Há porém uma contrapartida a estas saídas, ao famoso “jeitinho brasileiro” de enfrentar situações difíceis: as políticas sociais, enquanto estratégias oficiais que devem dar respostas às necessidades da população. É a partir disso que a direção desta análise se volta para as con- dições de acesso da população às políticas sociais, ou, ainda, para as garantias com que conta a população brasileira para enfrentar sua situa- ção de miséria. Estão em questão, portanto, as formas pelas quais o Estado incor- pora as demandas sociais e as implicações que tal incorporação acarreta para a população. Mas, se de um lado esta questão se funda na situação de pauperi- zação, de; outro, ela procura cercar uma questão política presente na sociedade brasileira: a rearticulação de forças da sociedade civil e, nesta, o poder popular. 12 A rearticulação de forças democráticas, pauta da “Nova República” não pode se limitar à consagração de processos eleitorais. Há que se pôr em exame também o efetivo conteúdo democrático das políticas e práticas hoje instaladas na sociedade brasileira idencia-se uma expressiva demanda por programas sociais mas, em Contrapartida, a extensão da sua cobertura é uma resposta que, em- bora extremamente custosa aos cofres públicos, configura o problema tãó-só em termos de quantidade. Romper a situação atual de miséria do povo brasileiro deve impli- car um saldo que o fortaleça, que signifique um avanço na constituição de sua cidadania. É neste contexto que se resgata a assistência como política gover- namental, essa forma histórica com que a sociedade enfrentou a miséria, a pauperização. Que contornos adquire ela hoje na sociedade brasi- leira? Seria a assistência um espaço de avanço do poder popular? A criação de um ministério específico para dar conta dos paupe- rizados também é cogitada. Hoje se conta com uma Secretaria de Assis- tência Social junto ao Ministério da Previdência e Assistência Social. A Legião Brasileira de Assistência (LBA) é considerada como o órgão mais sólido de assistência social do governo federal e opera com 600 bilhões de cruzeiros. "O presidente José Sarney, 55, extinguirá a Secretaria Particular de Assuntos Especiais da Presidência da República e indicará seu ocupante, Marcos Vilaça, 45, para presidente da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Como pr al órgão de ação social do Governo, a LBA se transformará na executora da Secretaria Especial de Ação Comunitária, que também será comandada por Vilaça Amanhã, Marcos Vilaça entrega ao presidente José Sarney a minuta de criação da nova secretaria especial, que se tornará o embrião do futuro Ministério de Ação Social do Governo. O presidente Sarney pretende, com isso, ocupar os espaços da Igreja e entidades filantrópicas, que vêm trabalhando junto às camadas mais pobres da população. Num processo gradual à nova secretaria irá agregando outras entidades além da LBA, como a Funabem (Fundação Nacional do Bem: ar do Menor) e o Projeto Rondon. A LBA, de todos estes órgãos de assistência social é o que tem a estrutura mais sólida. Dispõe de um orçamento de Cr$ seiscentos bilhões e representação em quase todos os Estados brasileiros” (Folha de São Paulo, 9-7-1985, p. 4). e rurais estavam empobrecidas e vinham cada vez mais pressionando politicamente. Essa opção política do governo de acumular mediante poupança forçada estava se esgotando A crise política de 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, agravou ainda mais os problemas econômicos. A partir de 1962, a taxa de cres- cimento da economia começou a cair atingindo seus pontos mais baixos entre 1963 e 1965 (recessão). Essa situação perdurou até 1967 quando a opção por sair da crise significou uma internacionalização da economia brasileira. O golpe de 64 expressa a opção por um projeto de acumulação que vincula o país às “aventuras” do capital internacional e liguida com o Estado nacional populista. o Estado tecnoburocrático capitalista autoritário que se instala, além de ditatorial estava profundamente empenhado em acelerar a acumule capitalista “e garantir a expansão das organizações burocráticas públic e privadas” (Pereira, 1982: 58). Ao acelerar a exploração capitalista o Estado expande seu poder c “está presente em tudo, o tempo todo, quer sob a forma da legislação (regulamentando os salários, por exemplo), quer como investidor...” (Gianotti, 1984: 43). Observa-se a instalação do Estado “autocrático-burguês” que, con- forme assinala Florestan Fernandes, caracteriza-se por seu papel de regu- lador das relações sociais e gestor da economia (Fernandes, 1982). O modelo econômico implantado supunha dois mecanismos básicos: a concentração de renda e a abertura para o exterior. Estava aí subja- cente o arrocho salarial e o endividamento externo. Num primeiro momento, entre 1964 e 1967, foi adotada uma série de medidas voltadas para solucionar a enorme crise em que o país se encontrava. As políticas econômicas caracterizavam-se pela rigidez e visavam, em primeira instância, acabar com a inflação via controle de preços, salários, déficit público, restrições creditícias, reorganização do sistema financeiro, e, ao mesmo tempo, buscavam estimular o investi- mento externo e incentivar as exportações. Desta forma, a proibição de greves e reajustamento de salários a níveis inferiores ao do custo de vida acabaram por deteriorar o poder aquisitivo das massas urbanas fazendo com que caísse sua demanda por bens de consumo. A partir de 1967, a política adotada foi a de aceleração do cresci. mento tendo como fatores estimuladores: créditos abundantes à indústria 16 automobilística e a outros ramos produtores de bens duráveis de con- sumo; elevação e reestruturação dos preços e tarifas dos serviços de utilidade pública; negociação externa. Paralelamente, a política de salá- rios e financiamento resultou em uma aceleração do processo de con- centração de renda. Há de fato um período de retomada do crescimento da produção industrial provocando forte elevação da taxa de acumulação de capital, Conforme demonstra Belluzzo, o setor de bens de capital no pe- ríodo de 1971/1973 apresentou altas de crescimento decorrentes - da acumulação do capital na indústria automobilística, do crescimento da siderurgia estatal e dos investimentos do Estado em telecomunicações, combustível e petroquímica. A principal marca do período é a não-cor- respondência do ritmo acelerado da expansão ao da demanda corrente (Belluzzo, 1984: 99) iste desenvolvimento das forças produtivas a partir de 1973 come- çou a se chocar com uma série de barreiras “Físi: o sistema de transporte deficiente, escassez de insumos básicos devido a uma demanda excessiva, aumento da inflação, ou seja, uma contradição entre um impulso cada vez mais poderoso para acumular e as limitadas disponi- bilidades para fazê-lo. o Nos países desenvolvidos ocorrerá, com esta crise, o fim do ciclo expansionista dos anos 50, acelerado pela alta internacional do com- bustível. Nesse período, de acordo com os informes do Banco Mundial, ocorreu a primeira reces: do PIB em relação à última década. Esta recessão atingiu diferencialmente os países industrializados e os subde- senvolvidos. Enguanto a recessão do PIB nos países desenvolvidos regis- trou 6,1% em 1973, passando para 0,8% em 1974 e 0,4% em 1975, nas economias subdesenvolvidas o declínio foi menor, de 7,9% em 1973 para 5,9% em 1974 e 4% em 1975 (Banco Mundial, 1984: 12). Nesta conjuntura o choque do petróleo refletirá no Brasil como um elemento a mais a se juntar a toda uma reversão da trajetória do cres- cimento: “o choque do petróleo foi um precipitador da queda da taxa de crescimento do produto, que de 12% em 1970/73 passou para 5,6% em 75”. Nesta época é elaborado o TI PND, que pretendia um salto qualitativo na estrutura industrial brasileira e, ainda segundo Belluzzo, “não é excessivo afirmar que o eufemismo que inspirou o IL PND, se, por um lado, evitou um ajuste recessivo da economia já naquela época, de outra parte bloqueou a busca de caminhos mais rea para enfrentar (Belluzzo, 1984: 99) a crise” Como enfrentamento a este primeiro pique de crise da década, os países capitalistas desenvolvidos, de acordo com Fidel Castro, proce- deram a mudanças estruturais que configuraram uma nova ordem eco- nômica que, por sua vez, implicou uma nova divisão internacional do trabalho. Nesse novo cenário destaca: a concentração de poder do capi- tal e da produção nas economias centrais; o crescimento do papel do Estado; a redução contínua do papel da agricultura; o incremento da extraterritorialização do capital através das transnacionais (Castro, 1983). Tais medidas, é claro, afetaram as relações entre as grandes potên- cias e as economias subdesenvolvidas, terminando por agravar a crise nestas economias. Principalmente porque uma das estratégias adotadas foi a elevação do custo do crédito externo e a diminuição do ingresso de capitais nesses países. O endividamento externo brasileiro da segunda metade dos anos 70, conforme evidencia Celso Furtado, foi um subproduto de uma política antiinflacionária que pretendia elidir o caráter estrutural das tensões que originavam a inflação (Furtado, 1983). De acordo com a Cepal, outro aspecto que caracterizaria as relações internacionais entre o “centro e a periferia”, além do endividamento dos anos 70, seria a mudança de papel que os bancos privados iriam jogar como fonte de endividamento: de minoritários nos anos 60, pas- sariam a ser responsáveis por 80% da dívida externa da América Latina (Cepal, 1983). No Brasil, foi adotada uma série de medidas de cunho eminente- mente recessivo, que visavam um ajuste a curto prazo da economia brasileira às restrições externas. Segundo afirma Belluzzo, “a recessão deu o ar da graça já nos primeiros meses de 1981 (...) 1981 encerra o ano um da recessão brasileira — com um declínio de 4% do Produto Interno e 10% do Produto Industrial. No tocante às finanças públicas a situação tampouco era melhor — evidencia um colapso dos esquemas de financiamento do governo” (Belluzzo, 1984: 105). Para a Cepal, o tipo de gestão interna da crise adotado pelos países da América Latina reforça a própria crise; quando recorrem, em excesso, à política de endividamento externo, expandem o gasto interno, res- tringem as importações e liberam o sistema financeiro e a alta das taxas de juros. Contudo, é notório que a política restritiva dos países desen- volvidos repassa seus encargos da crise para as economias “dependentes”, dada sua vulnerabilidade. i8 A economia brasileira em crise esgota seu padrão de acumulação e, se até 1980 dispunha de uma margem de manobra face à economia mundial, a partir de 1980 o esforço concentra-se na gestão da dívida externa. O processo recessivo, ao lado da incapacidade política de romper este esquema, leva o Brasil e outros países latino-americanos a sujeita- rem a economia do país ao controle do FMI. Tal subordinação dos governos nacionais a orientações externas de programas de austeridade econômica resultou em altíssimos custos sociais (baixo nível de vida, desemprego, aumento da criminalidade, etc.) e no custo político da perda de capacidade de decisão nacional, No Brasil “a política econômica até o início dos anos 80 — antes e depois do FMI — condenou-se a administrar um enorme passivo, externo e interno, o que certamente vai acabar corroendo suas engrenagens até o último parafuso. Em 1981, além da perda de controle sobre os instrumentos de política econômica e da completa desorganização fiscal e financeira do Estado, à sociedade é obrigada a suportar o desemprego — o fantasma das falências, o desalento” (Belluzzo, 1984: 105). “O agravamento da crise foi se acentuando de tal forma que recessão e desemprego deixaram de ser figuras de retórica para descerem às ruas. A crise atual não se exprime apenas através de índices desoladores de desempenho econômico, mas principalmente pelo notório desgaste das instituições de regulamentação e controle que presidiram o avanço da economia até o crepúsculo dos anos 60” (Furtado, 1983: 120). De maneira simultânea, aumentou incessantemente o desgaste do governo ditatorial brasileiro. A ditadura militar e burguesa entrou em crise junto com a crise econômica, pois logo se evidenciou que o “capitalismo monopolista, através de internacionalização, pode ferir os países pobres e dependentes ainda mais fundo que o livre câmbio sob o capitalismo competitivo. A ditadura não podia dar uma resposta política frontal a este problema sem espatifar-se ou, na melhor das hipóteses, sem avançar numa linha aventureira de promessas ousadas e de reali- zações muito magras (...) sob a forma de uma política de abertura revelavam-se as dificuldades, a fraqueza e a força do regime ditatorial” (Fernandes, 1982: 25-7). De acordo com o Banco Mundial, o ajuste das economias “depen- dentes” aos ditames do FMI significou uma diminuição do consumo per capita da ordem de 2 a 10% ao ano em países como Brasil, Argen- tina, Chile e outros (Banco Mundial, 1984: 36). t9) cimento de direitos. Neste tipo de relação Estado/ sociedade caracteriza-se a força do Estado frente a uma sociedade pobre, debilitada, mantida em uma condição de alienação. O caráter excludente desta forma de relação inclui de forma subalternizada, isto é, sem permitir às demandas o desenvolvimento de sua consciência de classe (Weffort, 1980). Portanto, embora a intervenção estatal responda a pressões popula- res, os benefícios contidos em seus serviços são materializados como privilégios e não como direitos (Teixeira, 1984). Os reflexos sociais da crise econômica têm aspectos diferenciais nos países desenvolvidos e nos subdesenvolvidos. O rebaixamento da atividade econômica nas sociedades de capita- lismo avançado e, junto com ele, a necessidade de maiores compensações sociais, levanta o debate quanto às efetivas intenções do Welfare State em dar uma solução à pobreza e às desigualdades sociais. O avanço das soluções sociais do Welfare State no pós-guerra de- correu de um pacto interclasses no sentido de unir esforços para a reconstrução econômica, social e política das nações capitalistas envol- vidas no conflito mundial. Com isto não se pretende tomar o Estado de Bem-Estar como o horizonte desejável das políticas sociais, mas tomá-lo como referência para mostrar a distância das políticas sociais brasileiras em relação à sua própria referência. Assim, embora muitas vezes pretendendo pautar-se no “modelo do bem-estar social”, o caráter excludente do regime autoritário burocrático e suas vinculações aos interesses privados não conformam como direitos as políticas sociais adotadas. Enquanto a crise econômica evidenciará nos países desenvolvidos a crise do Welfare State entende-se que, em contrapartida, evidenciará nos países subdesenvolvidos, como o Brasil, o emergencial das políticas sociais. O assistencial é uma das características em que se expressa a ação do Estado brasileiro nas políticas governamentais de corie social. Uma das formas através das quais se pretende demonstrar esse assistencial consiste em evidenciar a emergência da qual se revestem as ações estatais, no campo social, É o assistencial que imprime o caráter de emergência às políticas sociais. a 22 - Em contraposiç: É preciso tornar claro que não se está tomando a emergência como a análise da capacidade governamental em responder com prontidão e rapidez de ação. O caráter de emergência é aqui conotado como respos- tas estatais eventuais e fragmentadas. Com isto, as políticas sociais bra- sileiras terminam sendo mais um conjunto de programas, cuja unidade se faz a reboque dos casuísmos de que surgiram,* A áàgudização da pauperização termina colocando em questão não só a necessidade de expansão dos serviços sociais como também as alter- nativas que adota enquanto garantias efetivas de resolução das necessi- dades da população. Ao contrário de caminhar na direção da consolidação de direito, a modalidade que irá conformar as políticas sociais brasileiras será primor- dialmente o caráter assistencial. Com isto o desenho das políticas sociais brasileiras deixa longe os critérios de uniformização, universalização e unifi- cação em que se pautam (ou devem pautar) as propostas do Welfare State. o à universalização utilizarão, sim, mecanismos seletivos como forma de ingresso das demandas sociais. Neste processo seletivo o assistente social, entre os demais pro- fissionais, desempenha um papel primordial no processamento desses mecanismos. Na divisão sócio-técnica do trabalho, o assistente social tem sido demandado como um dos agentes “privilegiados” pelas instituições geri- das diretamente pelo Estado, ou por ele subvencionadas, para efetivar a assistência. O caráter histórico de sua atividade profissional em qualquer instituição está voltado prioritariamente à efetivação da assistência Via de regra a efetivação das políticas sociais é o espaço primordial da prática do assistente social, embora outros profissionais também o integrem. Ele está diretamente vinculado à efetivação dessas políticas, entendidas enquanto mecanismos de enfrentamento da questão social, resultante do confronto capital-trabalho. Compreender a questão assistencial na trama das relações sociais que caracterizam a conjuntura brasileira atual e, nesta, a ação do assis- tente social, são aspectos prioritários desta análise. Qualifica-se como 4, Sabe-se que no Brasil falar ou adotar medidas a longo prazo é um eufe- mismo dos discursos oficiais. Como o é também o assentamento das decisões políticas em bases de negociação com a força de trabalho. Portanto, dificilmente as políticas sociais, como forma de gestão estatal da força de trabalho, receberiam outro tratamento que não o casuístico. 23 questão assistencial o imbricamento-das' políticas governamentais por uma face assistencial no enfrentamento da questão social. As políticas sociais governamentais são entendidas como um movi- mento multidirecional resultante do confronto de interesses contradi- tórios. A exclusão dos interesses da força de trabalho não é o moviment unívoco do Estado e de suas práticas. O Estado brasileiro, embora un Estado burguês, que representa em última instância os interesses dos segmentos hegemônicos, expressa esses interesses de classe contradito- riamente. Lucio Kowarick afirma a propósito: “A dominação é contraditória em dois níveis. Primeiro, porque ex- pressa alianças de classes ou de frações dominantes que não são similares, e que portanto refletem conflitos muito variados que se constituem em fonte de pressão permanente”. E conclui adiante: “é contraditória também, e fundamentalmente, porque se o Estado exclui as chamadas classes dominadas, tem, em certa medida, que incluir alguns de seus interesses” (Kowarick, 1979: 7). Portanto, o Estado burguês, ao lado da exclusão econômica e polí- tica, deve assegurar uma distribuição de benefícios e o atendimento a demandas da força de trabalho, ainda que se contraponham a certos interesses do capital? É, portanto, um Estado de alianças, inclusive de interesses conflitantes que se modificam no curso no processo histórico. Neste movimento são as políticas sociais o espaço de concretização dos interesses populares, embora absorvidos no limite do pacto de dominação. Com isto se afirma que o Estado, além de ser o “comitê executivo” é um campo estratégico na luta de classes. 5. Esta concepção é trabalhada em artigo de Kowarick que explica este processo que caracteriza o Estado “dependente” latino-americano: “(...) o pacto de dominação pode dar conta deste processo (...)” e este “representa, em última instância, a defesa dos interesses básicos e fundamentais das frações domi- nantes. Porém reflete sempre uma dinâmica de oposições e conflitos que ocorrem no âmbito das classes dominantes (contradições secundárias) que se fazem secun- s ante O inimigo principal na medida em que este põe em risco o caráter básico do “pacto de dominação” que é o nível onde se inscrevem as contradições principais. Contudo, é importante ressaltar que as reivindicações e pressões das s subalternas podem ser incorporadas ma medida em que não afetam o caráter básico do pacto de dominação. Em suma, frente ao movimento de forças sociais, o Estado, em primeiro lugar, mantém as normas de exclusão econômica e política que constituem a essência do pacto de dominação. Em segundo lugar, deve assegurar uma distribuição de benefícios para as classes e frações sobre as quais está contraditoriamente estruturado o pacto de dominação” (Kowarick, 1979: 8). 24 * timação das políticas socia Embora nesse embate se constitua um espaço de conquistas popu- lares, a consolidação dessas conquistas passa pelo desmascaramento do assistencial presente nas políticas sociais brasileiras. 3 A partir das características da sociedade brasileira, de sua história, o enfrentamento da pauperização reclama que no seu bojo contenha o fortalecimento da sociedade civil. Pôem-se em questão as bases de legi- , entendendo que « questão do enfrentamen- to da crise brasileira não é só romper o emergencial na direção da efetivação de políticas sociais, mas de ter em conta principalmente as bases dessa consolidação. E trazer as forças populares para o cenário da decisão. Há um movimento possível no interior das políticas e práticas sociais, não estando implacavelmente destinadas à reitera: da subor- dinação e do controle social. A partir dessa compreensão delineia-se como hipótese orientadora dessa análise: às práticas assistenciais gover- namentais, enquanto produtoras de bens e serviços, são um espaço para a constituição de uma nova forma de cidadania para as classes subal- ternizadas. O objeto desta ar assistencial das políticas a istente social nessas práticas. Não basta a constatação empírica dos assistentes sociais de que a assistência que acontece se reveste de um caráter paliativo, não resol- vendo os problemas de força de trabalho, que aumentam a cada dia, Impossível uma leitura da assistência de per si, sem atentar para as determinações sociais e históricas do significado da assistência como política governamental, de sua imbricação com as relações de classe v destas com o Estado. Em momentos de crise, a prática do assistente social se torna funda- mental, pois exige a busca de estratégias teórico-práticas no interior das políticas assistenciais que contribuam para o fortalecimento do processo organizativo dos setores populares, em articulação com os movimentos se se constitui, assim, em trabalhar o corte istenciais e, por outro lado, a inserção do sociais. Nessa prática, identificam-se na atual conjuntura da crise econô- mico-social questionamentos políticos tanto quanto ao “fazer profissio- nal”, como quanto à adoção de determinados programas ce estratégias de ação governamentais que de fato se comprometam e efetivem o ressarcimento da dívida social para com os trabalhadores, como também “ avancem no processo de fortalecimento e constituição de sua cidadania, fazendo valer seus direitos políticos e sociais. 25 satória das desigualdades sociais. Para isso, institui políticas e cria organismos responsáveis pela prestação de serviços destinados aos traba- Ihadores identificados como pobres, carentes, desamparados.* A ação assistencial do Estado está imbricada na relação capital-tra- balho, se faz nas segielas da exploração da força de trabalho, que, por sua vez, se expressam nas precárias condições de vida das classes subal- ternizadas.* Isto não significa que o assistencial se constitua um mecanismo que “resolva” ou “dê solução” a esse conjunto de problemas nascidos da contradição fundamental da sociedade capitalista. Não significa, tam- bém, que a manutenção “assistida” da subalternidade seja a única forma de enfrentamento da questão social pelo Estado. A presença do ass tencial nas políticas sociais conforma o usuário, possível gestor, em bene- ficiário assistido. Há que compreender melhor esse mecanismo político como também articulá-lo com formas autoritárias, aparentemente oponentes à assistên- cia, que se fundamentam no uso da repressão e da coerção. A combinação repressão /assistência tem se evidenciado como a forma histórica de trata- mento das desigualdades sociais.” É Guilhon se Albuquerque, analiiando “x esmatdpia: ÉD rsaddto Seomimiárta e as políticas de saúde no Brasil, conclui ao final do Capítulo I de seu trabalho, (1977: 22-3): “(...) No âmbito do planejamento oficial da Política Nacional de Saúde do Estado capitalista brasileiro, o objetivo principal é o da reparação da força de trabalho, essencial para a reprodução das relações capitalistas. Entretanto, o capitalismo se desenvolveu no Brasil com um grande percentual de dilapidação dessa força de trabalho, tendo em vista sua abundância nas grandes cidades, basicamente devido ao processo de migrações internas. (...) Dessa forma, O problema da reparação da força de trabalho está, na atualidade, ligado de um certo medo ao desempenho das instituições estatais (...) existe um limite pos- sível para a atuação dessas instituições a partir do qual o mais importante não a recuperação direta da mão-de-obra, mas outros elementos que contribuem p a sua reprodução, fora do mercado de trabalho, mas sob um mínimo de controle” 4. Optou-se neste trabalho pela expressão interpretativa classes subalterni- zadas, por entender-se que: a) deste modo se considera a subalternidade como uma modalidade histórica de dominação que pode ser rompida: “.. .estão subalternizados”. e se supera a possível excludência de outras formas de inserção no pro- cesso produtivo e de consumo que o conceito de proletariado possa sugerir. Embora seja este um conceito preciso, enquanto luta de classes, deve ser historicizado de modo a dar conta das heterogeneidades dos segmentos da força de trabalho tanto a nível de produção, quanto da reprodução das condições de vida. A esse respeito, veja-se Durham (1984: 26 ss), Wan- derley (1978: 108) e Weffort (1978: 72). Ver a propósito os livros de Covre (1983), Iamamoto e Carvalho (1982: õ b Cap. 2). 28 Em síntese, no Brasil, o enfrentamento do crescente processo de pauperização e espoliação dos trabalhadores se deu pelo uso convergente de duas estratégias básicas mantidas peló Estado: — o uso de um regime autoritário e excludente; e, — a introdução de políticas sociais calcadas no modelo assistencial. E aqui se coloca a questão/hipótese que esta investigação busca encaminhar conceitualmente: será que o mecanismo assistencial reiterador da exclusão presente nas políticas sociais contém um espaço para a expansão da cidadania às classes subalternizadas? 1. - O ASSISTENCIAL NA POLÍTICA SOCIAL A introdução de políticas sociais calcadas no modelo assistencial consagram formas populistas de relação e a benevolência enquanto forma de atendimento às necessidades de reprodução da sobrevivência das classes subalternizadas. . Esta apreensão nos leva imediatamente a uma leitura perversa do assistencial como o mecanismo primordial da reiteração da subordinação e, portanto, do assistencialismo. A superação desta apreensão mecânica passa pelo significado his- tórico do istencial como forma de enfrentamento da questão social no caso brasileiro. É o mecanismo assistencial que configura a exclusão enquanto man- tém o trabalhador na condição de assistido, beneficiário ou favorecido pelo Estado e não usuário, consumidor e possível gestor de um serviço a que tem direito. Mas, contraditoriamente, ao excluir, inclui, enquanto forma de atendimento das suas necessidades sociais na sociedade capi- talista.” 6. Dando continuidade ao estudo do Programa de Assistência à Criança (PAC), Guilhon de Albuquerque, na pesquisa citada, e analisando os serviços prestados pelo programa, conclui que, ao lado de se constituírem em forma de disciplinar hábitos sociais são, ao mesmo tempo, possibilidade de “(...) acesso de determinada faixa de população aos serviços de saúde que, em outras circuns- tâncias, ser-lhes-iam negados, tendo em vista suas próprias condições de existência. O Programa representado pelos seus serviços também facilita o acesso dessa clientela a benefícios materiais que, pelas mesmas razões, estão fora de seu alcance, Este segundo aspecto se sobrepõe muitas vezes ao primeiro. Para a popu- a q utiliza do Programa, o benefício material é, na maioria das vezes, um dos últimos recursos para a sua sobrevivência. Isto porque a pauperização já chegou a um ponto tal em que as condições podem favorecer a ultrapassagem daquele limite entre à submissão e a contestação. Dessa forma, para a maioria ncia, contribuindo para manter a “questão social dentro de limites toleráveis”. 29 Embora a exclusão faça parte das regras de manutenção do poder econômico e político do Estado, a inclusão dos interesses da força de trabalho também o faz. O pacto de dominação contraditoriamente atende a interesses e reivindicações tanto das classes dominantes quanto das classes subalternizadas e, nesse sentido, assume o caráter de sua inclusão.” O assistencial, como mecanismo presente nas políticas sociais, reve- la-se, «o mesmo tempo, como exclusão e inclusão aos bens e serviços . prestados direta ou indiretamente pelo Estado. É Em contrapartida, para as classes subalternizadas, as políticas sociais se constituem um espaço que possibilita o acesso a benefícios e serviços que de outra forma lhes são negados. Espaço este de lutas, confronto e expansão de direitos. É a presença do mecanismo assistencial nas políticas sociais que as configura como compensatórias de “carências”. Com isto torna-se justi- ficatório para o Estado selecionar o grau de carência da demanda (finan- ceira, nutricional, física, etc.) para incluí-la/excluíla dos serviços ou bens ofertados pelos programas sociais. Mesmo os serviços produzidos pela Previdência Social aos securitários recebem a tipificação de bene- fícios. Atestar o grau de carência passa a ser uma preocupação básica, É ela o “passaporte” para o ingresso no aparato das exigências institucio- nais. E aqui reside, inclusive, uma das funções persistentes dentre as atribuições dos assistentes sociais: a triagem sócio-econômica. O assis- tente social é o profissional legitimado para atribuir o grau de carência do “candidato” a usuário e o Serviço Social é a tecnologia que dá conta da racionalidade desse processo. Outro efeito da presença do mecanismo assistencial consiste em per- mitir a justificativa de um rebaixamento na qualidade dos serviços. En- quanto dirigidos a pessoas de “poucas exigências”, “ignorantes”, os pro- gramas sociais podem ser reduzidos a soluções precárias. Na perspectiva assistencial, os serviços públicos se destinam a uma população dita “ca- rente e minoritária”. Neste sentido são prestados em condições precárias, 7. Ver Kowarick (1979) e Marcos Antonio E. L. 8. Coimbra, que em “Política e políticas de bem a periodização da experiência brasileira” (1979: 2) assim afirma: *(...) políticas sociáis dó pedem ter entendidas /em um quadro explicativo onde tanto o Estado c as alianças de classes que o sustentam, quanto as camadas populares têm papel dinâmico”. 30 quantitativa e qualitativamente, e estabelecem clientelas elegíveis dentre os demandatários.* O mecanismo assistencial permite ainda um corte emergencial nas políticas sociais. Como formas duradouras possibilitam consagrar direi- tos, como respostas emergenciais podem fragmentar a demanda em graus de urgência para atendimento, instalando-clientelas elegíveis. Com isto as políticas sociais se prestam a reduzir agudizações e se constituem em espaço para que o grupo no poder possa, de um lado, conter conflitos e, de outro, responder “humanitariamente” a situações de agravamento da miséria e espoliação de grupos sociais. A alternativa histórica do tratamento das desigualdades sociais pelas políticas públicas de corte social no Brasil não se isola das formas histó- ricas pelas quais o capital segue tratando a força de trabalho a nível internacional. O assistencial é uma forma de caracterizar a exclusão com a face «de inclusão, pela benevolência do Estado frente à “carência dos indiví- duos”. Não é ele, de per si, a exclusão. Esta se dá também nas políticas sociais das sociedades capitalistas desenvolvidas, uma vez que, no limite, o conflito capital-trabalho permanece mantendo a desigualdade social. Mesmo ampliando-se a qualidade e quantidade do tido de bens e ser- viços pela força de trabalho o Estado burguês permanece pautando a “distributividade” das soluções nos limites dos interesses do capital, Mesmo as análises sobre o capitalismo avançado, como a de Gough, afirmam que os programas sociais não chegam a se constituir em meca- nismos redistributivos alteradores das desigualdades sociais. Para alguns 8. Muitos exemplos a esse respeito podem ser refembrados: construções de conjuntos habitacionais, de equipamentos, como creches que oferecem pisos de cimento rústico para as crianças que não conhecem “pisos plásticos”. A pes já citada de Suilhon de Albuquerque no seu Capítulo TI sob o título “A necessi- stituição e sua clientela”, traz, elementos sobre “(...) parece existir certo acordo entre tods de representar a Instituiçã i , benevolente mas precária e de um duplo ponto de vista: por e pela natureza mesmo de sua tarefa assistencial. A falta de recursos é encarada de modo impes- soal (faltam recursos, “falta pessoal), nenhum dos atores em jogo se sente responsável ou responsabiliza algum ator específico: parece ser da própria natureza da Instituição Assistencial, (...) enquanto os agentes definem a clientela como carente, apenas se pode afirmar que a clientela admite que lhe faltam coisas, sem se definir como sujeito das carências. Por outro lado, a coincidência entre o que a clientela nota que lhe faz falta e as ca cias pelas quais os agentes a definem é apenas parcial. Os agentes (agentes privilegiados) se estendem sobre toda uma gama de metáforas da falta. definindo a clientela (CLI) como carente de recursos, desorientada, sem direitos, ignorante e com dificuldade de comunicação. Já entre as representações da própria clientela, apenas aparece jeep a falta de direitos (sobretudo, Agnelo 3 vezes em 6), de o “Santo ro Educacional 4 8» tnstituto ai