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Guias e Dicas
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Uma Breve História do Mundo (Geoffrey Blainey), Manuais, Projetos, Pesquisas de Urbanismo

LIVRO DE HISTÓRIA

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2013
Em oferta
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Compartilhado em 25/04/2013

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GEOFFREY BLAINEY
UMA BREVE
HISTÓRIA
DO MUNDO
Tradução: Editora Fundamento
www.editorafundamento.com.br
Digitalização: Argo
www.portaldocriador.org
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GEOFFREY BLAINEY

UMA BREVE

HISTÓRIA

DO MUNDO

Tradução: Editora Fundamento www.editorafundamento.com.br

Digitalização: Argo www.portaldocriador.org

Sumário

Parte 1

  1. Vindos da África
  2. Quando os mares começaram a subir
  3. A primeira Revolução Verde
  4. A cúpula da noite
  5. As cidades dos vales
  6. Maravilhoso mar
  7. Senhor do Amarelo - Rei do Ganges
  8. A ascensão de Roma
  9. Israel e "O Ungido"
  10. Depois de Cristo
  11. O sinal da Lua crescente
  12. Os gansos selvagens cruzam as montanhas
  13. Em direção à Polinésia

Parte 2

  1. Os mongóis
  2. Os perigos do clima e das doenças
  3. Novos mensageiros
  4. A gaiola
  5. Os incas e os Andes
  6. A Reforma
  7. Viagem à Índia
  8. Os presentes que o Novo Mundo escondia
  9. O olho de vidro da ciência
  10. Destronando a colheita

Parte 3

  1. A queda das cartas do baralho
  2. Além do Saara
  3. Nobre vapor
  4. Será que todos são iguais?
  5. O globo desvendado
  6. As guerras mundiais
  7. A bomba e a Lua
  8. Nem frutas, nem pássaros Epílogo

CAPÍTULO 1

Vindos da África

Há 2 milhões de anos, eles viviam na África e eram poucos. E- ram seres quase humanos, embora tendessem a ser menores que seus descendentes que hoje povoam o planeta. Andavam eretos e subiam montanhas com enorme habilidade. Alimentavam-se principalmente de frutas, nozes, sementes e ou- tras plantas comestíveis, mas começavam a consumir carne. Seus im- plementos eram primitivos. Se eram bem-sucedidos em dar forma a uma pedra, não iam muito longe com a modelagem. É provável que u- sassem um pedaço de pau para defesa ou ataque, ou até mesmo para escavar, caso surpreendessem um roedor escondendo-se em um buraco. Não se sabe se construíam abrigos feitos de arbustos e de pedaços de pau para se protegerem do vento frio no inverno. Não há dúvida de que alguns moravam em cavernas - quando podiam ser encontradas -, mas uma residência permanente teria restringido bastante a ne- cessária mobilidade para encontrar alimento suficiente. Para viver do que a terra oferecia, precisavam fazer longas caminhadas a lu- gares onde sementes e frutas pudessem ser encontradas. Sua dieta era resultado de uma série de descobertas, feitas ao longo de cen- tenas de milhares de anos. Uma das mais importantes estava em sa- ber se uma planta, aparentemente comestível, não era venenosa; ex- plorando novos lugares à procura de novos alimentos em tempos de seca e carestia, alguns devem ter morrido por envenenamento. Há 2 milhões de anos, esses seres humanos, conhecidos como ho- minídeos, viviam principalmente nas regiões dos atuais Quênia, Tanzânia e Etiópia. Se dividirmos a África em três zonas horizon- tais, a raça humana ocupava a zona central, ou zona tropical, constituída principalmente de pastos. Uma mudança no clima, cerca de um ou dois milhões de anos antes, que fez com que em certas re- giões os pastos tenham substituído boa parte das florestas, pode ter incentivado esses hominídeos a, gradualmente, descendo das ár- vores, deixar a companhia de seus parentes, os macacos, e passar mais tempo no chão. Eles já acumulavam uma longa história, embora não tivessem ne- nhuma memória ou registro disso. Falamos hoje do grande espaço de tempo que se passou desde a construção das pirâmides do Egito, mas esse período representa um simples piscar de olhos se comparado à longa história que a raça humana já viveu. Na Tanzânia, descobriu- se um registro primitivo pelo qual se conclui que dois adultos e uma criança caminhavam sobre cinza vulcânica amolecida por uma chuva recente. A seguir, suas pegadas foram cozidas pelo sol e, aos poucos, foram cobertas por camadas de terra; as pegadas, defi- nitivamente humanas, têm pelo menos 3,6 milhões de anos. Até mesmo isso é considerado um fato recente na história do mundo contempo- râneo: os últimos dinossauros foram extintos há cerca de 64 mi- lhões de anos. No leste da África, os primeiros humanos costumavam acampar às margens dos lagos e dos leitos arenosos de rios ou em campinas:

nesses locais, foram encontrados alguns restos deixados por eles. Conseguiam adaptar-se a climas mais frios e, na Etiópia, preferiam os planaltos abertos, a uma altitude de 1.600 ou 2.000 metros aci- ma do nível do mar. Nas florestas sempre verdes das regiões monta- nhosas, também sentiam-se em casa; sua adaptabilidade era impres- sionante. De modo geral, na impiedosa competição por sobreviver e multi- plicar-se, os humanos tiveram sucesso. Nas regiões da África que habitavam, eram em número bem menor que as espécies de grandes a- nimais, alguns deles agressivos; ainda assim, os humanos prospera- ram. Talvez as populações tenham se tornado muito numerosas para os recursos disponíveis na região ou tenha havido um longo período de seca, e isso os tenha levado para o norte. Há forte indício de que, em algum momento dos últimos dois milhões de anos, eles te- nham começado a migrar mais para o norte. O maior deserto do mun- do, que se estende do noroeste da África para além da Arábia, po- de, por algum tempo, ter impedido seu avanço. A estreita faixa de terra entre a África e a Ásia Menor, contudo, podia ser facilmente atravessada. Moviam-se em pequenos grupos: eram exploradores e colonizado- res. Em cada região desconhecida, tinham de adaptar-se a novos a- limentos e precaver-se contra animais selvagens, cobras e insetos venenosos. Os que abriam caminho conseguiam uma certa vantagem, pois os seres humanos, adversários implacáveis dos invasores de território, não estavam lá para atrapalhar seu caminho. Era mais uma corrida de revezamento do que uma longa caminha- da. É possível que um grupo de talvez 6 ou 12 pessoas avançasse uma pequena distância e decidisse se estabelecer naquele lugar. Outros vinham, passavam por cima delas ou impeliam-nas para outro lugar. O avanço pela Ásia pode ter levado de 10 mil a 200 mil a- nos. Montanhas tinham de ser escaladas; pântanos, vencidos. Rios largos, gelados e de forte correnteza tinham de ser atravessados. Será que eles atravessavam esses rios em seus pontos mais rasos, nas estações muito secas, ou nos pontos mais próximos às nascen- tes, antes que o leito se tornasse largo demais? Será que os ex- ploradores sabiam nadar? Não sabemos as respostas. A noite, em terreno desconhecido, era preciso selecionar um abrigo ou um lugar com um mínimo de segurança. Sem a ajuda de cães de guarda, cabia a eles manter vigilância sobre animais selvagens que vinham caçar durante a noite. No decorrer dessa longa e lenta migração, a primeira de muitas na história da raça humana, esses povos originários dos trópicos avançaram para territórios bem mais frios, jamais conhecidos por qualquer de seus ancestrais. Não se sabe ao certo se conseguiam aquecer-se ao fogo nas noites frias. É provável que quando um raio caía nas proximidades, ateando fogo à vegetação, eles apanhassem um galho em chamas e o transportassem para outro lugar. Quando o galho estava quase todo queimado e o fogo por se extinguir, junta- vam-lhe outro galho. O fogo era tão valioso que, uma vez obtido, era tratado com desvelo; ainda assim, o fogo podia extinguir-se por descuido, apagar-se sob uma chuva forte ou por falta de madei- ra seca ou gravetos. Enquanto conseguiam manter o fogo, devem tê- lo levado em suas viagens como um objeto precioso, como faziam os

próximo século. Habitantes do interior em sua essência, esses hu- manos provavelmente tardaram em estabelecer-se ao longo do lito- ral, levando ainda mais tempo para dominar as águas, mesmo as mais rasas. Em escavação recente, feita numa ilha mais afastada do arqui- pélago da Indonésia, revelaram-se resquícios de habitação humana, remontando a mais de 800 mil anos. Os resquícios descobertos no antigo leito de um lago na ilha montanhosa de Flores provaram, sem qualquer sombra de dúvida, que os humanos tinham aprendido a cons- truir embarcações e a conduzi-las mar adentro: as embarcações a vela ainda levariam muito tempo para aparecer. Para chegar à ilha de Flores, tiveram de fazer uma travessia marítima ousada rumo ao leste, partindo da ilha mais próxima. Mesmo que o nível do mar es- tivesse em seu ponto mais baixo, a distância percorrida em barco ou bote pequeno, partindo dessa ilha mais próxima, deve ter sido de pelo menos 19 quilômetros. Talvez essa tenha sido a viagem ma- rítima mais longa até então. Algo como a primeira viagem à Lua no século 20, no sentido de que excedia todas as viagens anteriores. Aqui e ali ainda podem ser encontrados traços da vida cotidia- na desses exploradores e colonizadores pioneiros. Perto de Pequim, em um acampamento humano, camadas de cinza e carvão vegetal foram recentemente descobertas através de cuidadosas escavações. Essas fogueiras de acampamento permaneceram intactas por talvez 400 mil anos e continham os restos de uma refeição: o osso calcinado de um veado e cascas de nozes de árvores encontradas naquela região.

Um despertar

No espaço de vários milhões de anos, os humanos tinham se tor- nado mais adaptáveis, munidos de mais recursos. O cérebro humano estava crescendo em volume. Enquanto ocupava cerca de 500 centíme- tros cúbicos nos primeiros humanos, chegou a 900 na espécie humana chamada Homo erectus, que levou a cabo a longa migração. Em algum ponto entre os últimos 500 mil e 200 mil anos, o cérebro sofreu novamente um crescimento notável em volume; esse aumento foi um dos grandes acontecimentos na história das mudanças biológicas. A estrutura do cérebro também vinha mudando e caracterizava-se por uma "área motora e uma área da fala". Um cérebro maior parecia estar associado a uma crescente habilidade em usar as mãos e os braços e ao lento surgimento de uma linguagem falada. Um cresci- mento tão substancial no tamanho do cérebro de qualquer espécie é um acontecimento de grande importância. Como isso aconteceu, po- rém, é um grande mistério; uma das possíveis causas foi o uso cada vez maior da carne na alimentação. É pouco provável que a raça hu- mana, nesse estágio, possuísse as armas ou as habilidades necessá- rias para matar animais selvagens de qualquer tamanho. Possivel- mente, as refeições de carne provinham da crescente coragem de re- virar as carcaças de animais recém-abatidos, enquanto o rebanho ou a manada principal pastava não muito longe do local, ou provinham da crescente habilidade de caçar animais menores que não apresen- tavam perigo, mas que não eram fáceis de capturar. É provável que, no decorrer do tempo, os ácidos graxos encontrados na carne tenham

sofisticado o cérebro e seu funcionamento; a longo prazo, essa vantagem possibilitou aos humanos vislumbrar melhores maneiras de caçar animais. Tudo isso, porém, é apenas especulação. A linguagem falada adquiria mais palavras e mais precisão. As belas-artes surgiam juntamente com o ato de comunicar-se através da fala, apoiando-se no uso de símbolos que podiam ser detectados pelo ouvido e pela visão. A habilidade de inventar símbolos e de reconhecê-los foi resultado do lento desenvolvimento do cérebro; talvez um desenvolvimento da laringe humana também tenha ajudado a expressar esses símbolos na forma de sons. Apesar dos avanços obtidos no estudo da mente nos últimos 50 anos, ainda há muito que explorar sobre o cérebro e a fala huma- nos. Nas palavras de um médico especialista, em uma atividade com- plexa como a fala "a interação das partes do cérebro não se asse- melha ao sistema de uma máquina, mas, sim, a uma colcha de reta- lhos". Seja qual for sua origem, a fala é a maior de todas as in- venções. Há cerca de 60 mil anos, surgiram sinais de um despertar da humanidade. Recuando no tempo, os pré-historiadores e arqueólogos colheram evidências de uma lenta sucessão de mudanças que, nos 30 mil anos seguintes, chegaram a merecer descrições, tais como "O Grande Salto" ou "A Explosão Cultural". Há muita controvérsia so- bre quem teria dado esse salto e quem teria provocado essa explo- são. Provavelmente, as mudanças estiveram a cargo de um novo grupo humano que surgiu na África e depois emigrou para a Ásia e a Euro- pa, onde coexistiu com o homem de Neanderthal, uma espécie que mais tarde viria a desaparecer. O que é digno de nota é a existên- cia da criatividade humana em várias frentes. A fala de centenas de gerações de pessoas que viveram durante esse despertar está adormecida e perdida no tempo, mas parte de suas artes e ofícios sobrevive em fragmentos ou intacta. As artes floresceram na Europa durante a longa era glacial, que teve início cerca de 75 mil anos atrás. Evidências que chegaram até nossos di- as sugerem que muitos humanos esperavam renovar sua existência em uma vida após a morte; a viagem para essa nova vida requeria aces- sórios ou indicativos do status de cada um, e os itens escolhidos eram arranjados ao redor do corpo no túmulo. Em Sunghir, na Rús- sia, cerca de 28 mil anos atrás, um homem de aproximadamente 60 anos de idade teve seu corpo adornado com mais de dois mil frag- mentos de marfim e de outros ornamentos. Atingir 60 anos de idade deve ter sido algo digno de veneração, pois a maioria dos adultos morria muito mais cedo. Em outro túmulo, enterrada ao lado de um homem, uma adoles- cente fora vestida com um chapéu de contas e um provável manto, do qual o único vestígio é um alfinete de marfim que o teria prendido ao pescoço da menina. Seu corpo estava coberto com mais de cinco mil contas e outros enfeites. O longo tempo que os amigos ou a tribo inteira levaram para preparar essas decorações e o cuidado que tiveram para arrumar o túmulo são um sinal de que a morte era tão importante quanto a vida. Não raro, as pessoas desse mundo nômade devem ter vivido uma grande incerteza. Estavam à mercê das estações climáticas, pois não armazenavam grãos, nozes ou outros alimentos com os quais pu-

idosos, que já não podiam andar, eram deixados para trás para mor- rer. Uma sociedade em movimento não tinha outra alternativa.

O colombo negro

Todas as manhãs, quando o sol aparecia no Leste Asiático, as pessoas podiam ser vistas em atividade: colocando lenha no fogo, amamentando as crianças, saindo para colher nozes ou capturar ani- mais selvagens, raspando a parte interna da pele dos animais para com ela fazerem vestimentas ou tirando lascas das rochas para com elas modelarem suas ferramentas. As mesmas cenas, provavelmente, podiam ser testemunhadas em dezenas de milhares de locais à medida que os primeiros raios de sol se moviam para oeste, por toda a Á- sia e depois por toda a Europa até o Atlântico. Atividades seme- lhantes podiam ainda ser vistas na África, onde os humanos ocupa- vam uma área cada vez maior. Cerca de 100 mil anos atrás, a área ocupada pela raça humana era extensa, mas uma grande parte do globo permanecia desabitada pelo homem. Os animais das Américas nunca tinham ouvido a voz hu- mana ou visto uma lança. Na Austrália e na Nova Guiné, que forma- vam um continente único, não havia pegadas humanas. As ilhas mais distantes eram inacessíveis. No Oceano Pacífico, a maioria das i- lhas hoje habitadas era desconhecida dos seres humanos: Havaí e Ilha de Páscoa, Taiti e Samoa, Tonga e Fiji, além das grandes i- lhas da Nova Zelândia. No Oceano Indico, a grande ilha de Madagás- car, de clima relativamente quente, nunca vira uma fogueira e, nas remotas ilhas vulcânicas de Maurício e Reunião, o estranho pássaro dodó, que não voava, não era ainda perturbado pelos seres humanos. No Oceano Atlântico, ao norte do Equador, os Açores e a Ilha da Madeira eram desabitados. A Groenlândia e a Islândia estavam per- manentemente cobertas de gelo, e os pássaros das Antilhas estavam totalmente a salvo dos caçadores humanos. A raça humana, na verdade, estava confinada a apenas uma massa de terra, cuja área total desocupada era imensa. A área dessas terras habitáveis, mas desocupadas, era equivalente à Ásia, ao de- serto do Saara e ao norte da África, juntos. Várias viagens de descobrimento começavam a ser realizadas. Os humanos estavam assumindo a tarefa de uma segunda longa migração. Entre as margens mais próximas do Sudeste Asiático, que na época incluía Java, e o litoral mais próximo da Nova Guiné Austrália, havia oito barreiras marítimas. A maioria delas eram pequenas pas- sagens ou estreitos, com a margem oposta visível do ponto de par- tida. A passagem mais larga teria cerca de 80 quilômetros. Os pio- neiros, usando botes ou pequenas canoas, ocasionalmente se aventu- ravam a ir de uma ilha a outra mais próxima - desde que a margem oposta fosse visível. Mas, se o vento soprasse muito forte, sua frágil embarcação ficaria alagada e todos a bordo pereceriam afo- gados. A travessia desse mosaico de mares e ilhas situados entre a Ásia, a oeste, e a Nova Guiné Austrália, a leste, se estendeu por milhares de anos. Em algumas ocasiões, ela foi suspensa por até 10 mil anos. Uma ilha era descoberta e povoada e, logo em seguida,

outro barco ou bote encontrava, acidental ou intencionalmente, ou- tra ilha. Finalmente, sem a mínima idéia da importância da desco- berta, a raça humana atracou na Nova Guiné Austrália. Não havia motivo para imaginar que um novo continente tivesse sido descober- to. Não se sabe quando o descobridor, com extrema dificuldade, chegou à nova terra, mas é quase certo que tenha sido há mais de 52 mil anos. O novo continente era uma surpresa, um enigma e, às vezes, um terror. Não havia animais perigosos, mas muitas das cobras e algu- mas das aranhas eram extremamente venenosas. Aos poucos, os recém- chegados foram explorando o continente: cada estuário, cada monta- nha, cada planície e cada deserto. Caminhando por terra até a Tas- mânia, eles cozinhavam em cavernas ao longo das margens dos rios no que era, na época, uma tundra e que é hoje uma floresta tropi- cal. Esses novos habitantes da Tasmânia eram os que viviam mais ao sul do globo. Foi um verdadeiro testemunho da adaptabilidade do ser humano, que havia se originado nos trópicos, mudado para o norte, seguido para leste e estava agora a meio caminho do Pólo Sul. Na última fase desse lento movimento de povos, originado na África e estendendo-se muito além, o desenvolvimento da linguagem foi um dos triunfos. Os dialetos e as línguas se multiplicaram. Mesmo em uma vasta região, onde todos, na época da colonização i- nicial, provavelmente emitiam sons semelhantes, as línguas diver- giram. Os grupos viviam em relativo isolamento e, assim, suas lín- guas evoluíram de acordo com padrões diversos. Provavelmente, já existiam milhares de línguas diferentes quando teve início um novo evento geográfico que, separando permanentemente diversos povos uns dos outros, multiplicou ainda mais o número de línguas.

CAPÍTULO 2

Quando os mares começaram a subir

Em 20000 a.C, a raça humana estava confinada a um continente maciço. Europa e África, Ásia e América não eram separadas por ma- res, e essa única massa de terra era palco de quase todas as ati- vidades humanas. A Austrália e a Nova Guiné juntas formavam uma segunda massa de terra habitada, mas contavam com menos de 5% da população mundial. Havia outra característica curiosa dessa popu- lação: estava quase inteiramente confinada às zonas tropical e temperadas; as áreas mais frias do mundo eram praticamente desabi- tadas. Nessa época, as temperaturas em todos os lugares eram muito mais baixas do que as de hoje. As geleiras eram ativas e muito ex- tensas, mesmo no sul da Austrália, enquanto no Hemisfério Norte uma enorme área era coberta de gelo durante quase todo o ano. A Finlândia, a Suécia e uma boa parte da Irlanda, que na época não era uma ilha, eram terras sem proveito. Nas partes altas da Europa Central, havia uma área bem maior que a da atual Suíça completa-

viviam no litoral notaram mais uma mudança: o mar estava subindo, e isso vinha ocorrendo antes mesmo de o clima se tornar nitidamen- te mais quente. Muitos habitantes das vilas próximas ao mar temiam que suas casas fossem alagadas um dia; alguns viviam sob a expectativa des- se dia. Ninguém entendia a causa desse estranho acontecimento, em- bora provavelmente tivesse as próprias explicações. Não tinham meios de saber que as grandes áreas geladas em ambas as extremida- des do globo estavam lentamente derretendo e que o degelo estava fazendo subir o nível dos mares. Com a mudança climática, vieram as alterações na vazão dos grandes rios. Na África, por volta de 10000 a.C, a água do Lago Vitória começou a correr para o Rio Nilo e, a partir de então, o Nilo tornou-se o rio mais longo do mundo. No leste e no oeste da Ásia, o aumento na vazão dos grandes rios deve ter tido efeitos profundos. A maioria dos longos rios asiáticos dependia do degelo no alto das montanhas da Ásia Central e, como o verão tornou-se mais acentuado, a vazão de alguns rios deve ter aumentado substan- cialmente. O fluxo de sedimentos finos depositados ao longo de ri- os, como o Ganges, o Amarelo e outros, era, em parte, resultado do aumento no volume dessa água de degelo. As planícies do entorno, cobertas de sedimentos, acabariam por tornar-se o berço do que ho- je chamamos de civilização. Durante algum tempo, o norte da África atraiu colonizadores humanos. Em parte das terras áridas, por volta de 7000 a.C, a pre- cipitação anual de chuvas era três vezes mais acentuada do que a de hoje. Lagos e pântanos pontilhavam o Saara. As pessoas podiam percorrer vários trechos da região e não ver nada além de campinas ou espécies de bosques, onde inúmeras árvores ofereciam sombra. A população do norte da África deve ter aumentado rapidamente duran- te os séculos mais favoráveis. Em seguida, sobreveio um período de seca e, a partir de 3000 a.C, aproximadamente, o homem começou a fugir dos desertos que se expandiam cada vez mais. A elevação do nível dos mares estava quase completa por volta de 8000 a.C. Ao todo, os mares tinham subido até 140 metros: uma altura de 116 metros é uma avaliação freqüente. Esse foi o evento mais extraordinário na história humana durante os últimos 100 mil anos - muito mais decisivo do que a invenção da máquina a vapor, a descoberta das bactérias, a ida à Lua ou, na verdade, do que o so- matório de todos os eventos do século 20. A elevação do nível dos mares desencadeou uma grande transformação na vida humana e uma explosão populacional. No Sudeste Asiático, à medida que os mares subiram, o antigo litoral, na maioria dos lugares, tornou-se irreconhecível e deixou de ser litoral. No entanto, nenhum litoral foi tão alterado quanto o do continente que abrangia a Nova Guiné e a Austrália. O clima tropical da Nova Guiné, com suas altas montanhas, foi afetado de modo marcante. Nessas montanhas, a linha de neve durante o inverno costumava descer até 3.600 metros. Com a elevação das temperatu- ras, entretanto, a linha de neve recuou mais de mil metros sobre as encostas das montanhas. Nas terras mais altas, o clima se tor- nou muito mais favorável à agricultura. A Nova Guiné não perdeu pelo fato de os mares terem se elevado: a porção de terra que foi

submersa pelas águas foi compensada pela terra que surgiu com o degelo e pela diminuição dos ventos frios. Com a elevação contínua do nível dos mares, a Nova Guiné finalmente se separou da Austrá- lia, formando-se, assim, o Estreito de Torres.

A Austrália foi particularmente remodelada pela elevação do nível dos mares, pois era o mais plano dos continentes. Talvez um sétimo de suas terras secas foi, aos poucos, sendo submergido, en- quanto os habitantes do litoral observavam, sem muito que fazer. Ao final desses notáveis acontecimentos, as tribos australianas que um dia viveram a até 500 quilômetros do oceano podiam ouvir, em noites de tempestade, um som desconhecido e lúgubre, o barulho das ondas.

tinham acesso a mais peles e couros de animais do que poderiam u- sar. A população da América aumentava, e muitas escavações de acam- pamentos humanos apontam para uma rápida disseminação dos povoa- mentos por volta de 11000 a.C. Atravessando o istmo do Panamá, o homem primitivo chegou à América do Sul, com poucas barreiras im- pedindo o seu movimento, até que o gelo permanente no extremo sul fosse avistado. Aí, então, os mares que subiam sem aviso começaram a separar as Américas do restante do mundo. Por volta de 10000 a.C, o corre- dor de terra que ia da Ásia ao Alasca, o único portão de entrada para as Américas, foi cortado pela elevação dos mares. Formava-se o Estreito de Bering e, durante algum tempo, o mar no novo estrei- to se congelava, permitindo caminhar sobre o gelo; ainda assim, esse ponto de travessia era perigoso quando o clima se tornava mais ameno. Quase todo o contato entre as Américas e o mundo ex- terno foi interrompido e, talvez por mais de 10 mil anos, reinou o silêncio. Pássaros migratórios viajavam entre os dois continentes, mas as pessoas viviam isoladas. Por fim, os habitantes das Améri- cas acabaram por desconhecer o lugar de suas origens. Em seu prolongado isolamento da Ásia, contudo, as Américas não ficaram estagnadas. Os humanos rapidamente penetraram cada pedaço de terra habitável. Aos poucos, ramificaram-se em vários modos de vida: os caçadores inuítes no norte gelado, caçadores e extratores vagando pelo também gelado extremo sul, vários povos combinando atividades de caça e lavoura em diversas partes da América do Nor- te e do Sul, enquanto algumas tribos viviam com abundância de sal- mão e do trabalho escravo, ao longo dos rios Fraser e Colúmbia, no Noroeste. Mesmo antes de 2000 a.C, as Américas possuíam uma enorme diversidade de atividades econômicas e de culturas. No fim do século 20, surgiu a idéia de que, de alguma forma, a Floresta Amazônica, isolada e impenetrável, havia praticamente es- capado da interferência humana. Com o respeito cada vez maior pela natureza em muitos cantos do mundo ocidental, a Floresta Amazônica em geral é considerada um prodígio. Ali, a natureza primitiva se preserva em toda a sua glória vulnerável: uma enorme bacia verde banhada por um majestoso rio silencioso. Até mesmo o Rio Amazonas é hoje conhecido por sua extraordinária história humana durante o longo período em que as Américas foram separadas da Europa e da Ásia. Os trabalhos de cerâmica mais antigos em todas as Américas foram feitos não na América Central ou do Norte, mas na floresta tropical da Bacia Amazônica, antes de 5000 a.C. Há também evidên- cias de que o milho, o cereal milagroso, foi primeiramente culti- vado pelos plantadores da região. Curiosamente, a diversidade bio- lógica dessa região é geralmente mais impressionante, não na flo- resta virgem, mas nas áreas que foram cultivadas pelos plantadores pioneiros da Amazônia e que, agora, estão camufladas por nova ve- getação. Como as Américas, o Japão também foi lançado num isolamento prolongado. Sua história humana era muito mais extensa do que a das Américas. O país havia sido ocupado há dezenas de milhares de anos antes de os mares começarem a subir. Uma das regiões habita- das mais frias do mundo, seus picos cobertos de neve há muito se

sobrepunham a imensas áreas de florestas. Com os texugos, lebres e javalis estavam os tigres, panteras, ursos pardos, bisões, uma es- pécie de elefante e outros animais de porte, embora seu número es- tivesse diminuindo. A medida que os mares começaram a subir, eles separaram as á- reas povoadas do Japão, mais ao sul, e as converteram em ilhas. O Estreito de Tsushima, que separa o Japão da Coréia, formou-se des- de logo. Quando afinal o Japão foi totalmente isolado, sua popula- ção era muito pequena, pouco menos de 30 mil pessoas, a maioria provavelmente vivendo no litoral ou próximo dele, com o mar forne- cendo-lhes peixes, os vales e planícies dando-lhes vegetais no ve- rão. Pequenos grupos de pessoas mudavam de lugar para tirar melhor proveito das estações que, quando eram proliferas, causavam grande júbilo, mas tempos de escassez estavam por vir. Para os japoneses, no que eles chamam de período Jomon, a ex- pectativa de vida era baixa, como para a maioria dos povos. Viver 45 anos era uma raridade e chegar aos 70, um milagre. A ossada de um homem de Yokohama, escavada em 1949, foi estudada através de raio X, mostrando que, quando criança, ele às vezes passou fome. Seus dentes, como o de tantas outras pessoas nômades, estavam des- gastados e os molares inferiores de um lado da boca estavam quase nivelados com a gengiva superior. O desgaste dos dentes foi acele- rado pela prática de assar carne sobre pedras quentes ou a fogo aberto sobre a areia e, portanto, uma porção de carne geralmente vinha salpicada de grãos. Os japoneses da Ilha de Kyushu já faziam trabalhos de grande beleza em cerâmica. Uma peça datada de 10500 a.C. é provavelmente mais antiga que qualquer cerâmica da China e, talvez, do mundo in- teiro. Cerâmicas ainda mais antigas foram descobertas recentemen- te. No decorrer de milhares de anos, suas formas tornaram-se tão ornamentadas quanto as peças das civilizações egípcia, grega e chinesa, das quais o Japão, devido ao seu isolamento e distância, não poderia ter conhecimento. Por volta de 5000 a.C, algumas das casas ou cabanas japonesas impressionavam quando comparadas aos padrões da maioria das regi- ões do globo. Cavava-se um buraco, e as paredes da pequena casa de cerca de 4 metros quadrados ficavam parcialmente dentro dele e parcialmente acima da superfície do chão. Traves verticais susten- tavam o telhado de sapé, feito com grama e junco. Dentro de um es- paço em que era possível escutar um ao outro, podiam ser encontra- das quatro ou cinco casas que, ao todo, abrigavam talvez 15 pesso- as. Em noites frias, o calor do corpo das pessoas amontoadas umas junto das outras provavelmente era responsável pela maior parte do aquecimento, pois a fogueira era localizada do lado de fora da ca- sa. Cães pequenos eram mantidos para caça e também para servirem de companhia. Próximo ao local das casas, foram escavadas pequenas figuras de barro mostrando seios e nádegas desproporcionais, pos- sivelmente representando estátuas sagradas que protegiam as mulhe- res nos trabalhos de parto. Os japoneses já cultivavam alimentos em alguns distritos. Mui- tos grupos viviam parte do ano perto das florestas, onde se podia colher uma grande quantidade de nozes, parte das quais era consu- mida e parte cultivada. Setembro, outubro e novembro eram os meses

fatores geográficos que tinham penalizado e isolado o Japão e a América do Norte após a elevação do nível dos mares acabaram sendo uma vantagem em certas situações.

Capítulo 3

A Primeira Revolução Verde

Na Síria e na Palestina, logo após os mares terem chegado a seu novo nível, uma pequena revolução parecia estar começando. Ao contrário da bem conhecida Revolução Industrial, ela foi incrivel- mente lenta, e a força de seu impacto não seria sentida durante milhares de anos. Mas a vida humana tomara um rumo do qual não ha- via como escapar. O vilarejo de Jericó era a vitrine da revolução por volta de 8000 a.C. Consistia de pequenas casas de tijolos de barro, lá cul- tivando trigo e cevada em minúsculos pedaços de terra. Esses cere- ais, que originalmente cresciam a ermo, foram selecionados para cultivo porque seus grãos eram grandes em comparação aos outros cereais silvestres e um grão maior era mais fácil de colher e de moer, sendo transformado em farinha integral rudimentar. Provavel- mente, os habitantes dos vilarejos preparavam a terra, seleciona- vam um tipo firme de semente que não se despedaçava quando madura e plantavam as sementes de forma mais concentrada que a natureza o fazia. O grão, colhido com facas e foices de pedra, era armazenado no vilarejo. Hoje, metade das calorias do mundo vem de uma pequena variedade de cereais, os primeiros dos quais eram cultivados pelos habitantes desses vilarejos do Oriente Médio. A princípio, os habitantes de Jericó e de outros vilarejos se- melhantes não possuíam nenhum animal doméstico. A maior parte da carne que consumiam ainda vinha de gazelas selvagens e de outros animais e aves que eles diligentemente caçavam. Mas, nos cerca de 500 anos que passaram tentando dominar o trigo, a cevada e certas ervilhas e grãos de leguminosas, começaram também a criar cabras e ovelhas em pequenos rebanhos, provavelmente nas proximidades dos vilarejos. Aí estava mais uma forma de provisão de alimentos, pois o rebanho é um alimento. Evidências sugerem que as primeiras espé- cies de animais foram domesticadas inicialmente em regiões distin- tas - ovelhas nas fronteiras da atual Turquia e Iraque, cabras nas montanhas do Irã, gado no planalto da Anatólia. Ovelhas e cabras viviam principalmente em rebanhos e, portanto, eram mais fáceis de domesticar, pois domesticar um indivíduo da espécie significava domesticar todos. Os primeiros humanos a domesticar ovelhas, cabras e bois e a mantê-los juntos em rebanhos provavelmente não foram os mesmos que iniciaram as primeiras plantações. Plantar trigo ou domesticar ca- bras requeria pelo menos uma dúzia de observadores, homens ou mu- lheres com olhos bem atentos. É provável que os homens, que em ge- ral eram os caçadores, tenham sido os domesticadores dos animais e que as mulheres tenham cultivado os primeiros cereais. Os cereais

e o gado não coexistiam em harmonia inicialmente. Os primeiros la- vradores não queriam animais pastando perto de suas plantações, alimentando-se delas ou pisoteando-as. Nas pequenas fazendas e plantações, o trabalho diário tinha de seguir uma programação mais rígida que nos dias de vida nômade. Se era hora de capinar, de cavar ou de semear, a oportunidade tinha de ser aproveitada - ou poderia ser perdida. A nova forma de vida exigia uma disciplina e uma sucessão de obrigações que contrasta- vam com a liberdade dos trabalhadores da colheita e dos caçadores. Não se sabe ao certo por que esse duplo avanço teve lugar no mesmo ponto do Mediterrâneo, mas a região realmente oferecia van- tagens. Mais para o interior, abundavam dois cereais que davam grãos particularmente grandes e ali também habitavam ovelhas e ca- bras que, por serem pequenas e viverem em rebanhos, eram mais fá- ceis de ser domesticadas que a maioria dos grandes animais selva- gens. Mas essas vantagens e essa sorte, em si, não são suficientes para explicar as mudanças. Na história do mundo, oportunidades e sorte foram relativamente abundantes, mas poucos foram aqueles que souberam aproveitá-las. Outros fatores moldaram o início dessa nova forma de vida. A elevação dos mares alagando o litoral levou os povos para o inte- rior, onde, como resultado, uma mistura de povos, idéias e hábitos se impôs. Além disso, o clima estava se tornando mais quente, fa- zendo com que certas plantas e animais proliferassem. Os cereais certamente cresciam numa área maior que até então. Os animais de porte, tradicionalmente uma fonte vital de alimentos, estavam se tornando mais escassos e isso serviu de incentivo para que se do- massem animais selvagens. Por longos períodos, as tribos pioneiras que estavam ocupando plantações e criando rebanhos tiveram de coexistir com os povos nômades. Essa convivência impunha certa tensão. Em tempos de fome, os nômades famintos eram tentados a atacar os vilarejos vizinhos que mantinham estoques de grãos e rebanhos de animais. Os habitan- tes dos vilarejos, por sua vez, fortificavam-se e mantinham vigi- lância constante. Em maior número e mais bem organizados - traba- lhar na lavoura implicava organização -, estes geralmente eram pá- reo para os nômades em qualquer luta. O futuro estava com os novos fazendeiros e pastores de reba- nhos; ter acesso ao celeiro em tempos de fome era possuir um pa- trimônio que nenhuma outra tribo na era nômade poderia possuir. Durante a seca, o vilarejo que tivesse um bom estoque de grãos e um rebanho de ovelhas ou cabras poderia sobreviver por mais tempo. As pessoas podiam possuir ovelhas, mas, de certa forma, as o- velhas é que possuíam as pessoas, praticamente fixando-as ao vila- rejo. Por isso, a forma de vida tradicional - a busca por alimen- tos, o saque e as alegrias das caçadas bem-sucedidas - ainda tinha um certo encanto. Era também uma fonte segura de alimentos, prin- cipalmente na primavera. Assim, milhares de anos depois do surgi- mento da lavoura e da criação de animais, muitos vilarejos ainda dependiam mais da caça e da coleta de alimentos em pântanos, flo- restas e planícies do que da nova fonte, proveniente de cereais, do leite e da carne. A disseminação dessa nova forma de vida pelas margens do Medi-