Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Constituição Global na Crise da Pandemia de Coronavírus: Novo Desafio para a Soberania, Trabalhos de Direito Internacional

Este artigo analisa a chegada da pandemia de coronavírus a nível global, o papel de instituições globais na resposta e a hipótese de uma constituição global como solução para futuras crises. O documento discute a incapacidade de estados e instituições em lidar com uma emergência de saúde de escala mundial, a relativa importância do papel dos estados na crise e a manipulação de seus interesses por setores produtivos ou especulativos. O texto conclui que a globalização reduziu a atuação dos estados nos campos econômico e político, e a crise de saúde provocada pela pandemia de coronavírus em 2020 acelerou esse colapso.

Tipologia: Trabalhos

2020

Compartilhado em 26/08/2020

julio-de-medeiro
julio-de-medeiro 🇧🇷

3 documentos

1 / 11

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
UMA CONSTITUIÇÃO GLOBAL COMO ALTERNATIVA À FALTA DE
COOPERAÇÃO MUNDIAL?
Júlio César de Medeiro 1
Resumo: A pandemia do COVID-19 deixou desnudas as
incongruências do mundo atual ao mesmo tempo em que a
contaminação se alastrava pelo planeta. O estrondo com que
o Coronavírus atingiu nossa sociedade será ouvido durante
muitas gerações como um som agudo de morte e impotência
de nível mundial, onde nenhuma liderança, nenhuma
instituição ou pessoa chamou para si a responsabilidade ou
demonstrou a mínima capacidade em lidar com a situação.
Dessa análise inicial o presente artigo buscará apresentar
como se chegou ao nível de pandemia, após abordará o
papel de instituições globais e as formas de atuação frente a
situação para, ao fim, trazer um recorte acerca da teoria de
uma constituição global como hipótese para futuros
enfrentamentos de situações similares.
Palavras-chave: Coronavírus. COVID-19. Globalização.
Instituições. Pandemia.
1 INTRODUÇÃO
O que inicialmente se mostrava como uma epidemia como outras tantas
já vivenciadas na China, rapidamente deixou os contornos da terra que a apresentou
para o mundo, através dos frenéticos sistemas aéreos, marítimos e terrestres de
mobilidade. Da até então desconhecida Wuhan nos veio abruptamente um evento
global, uma pandemia, ainda que tardiamente decretada e mais tardiamente ainda
encarada como tal.
Do leste chinês o Coronavírus avançava incólume rumo ao ocidente e no
velho continente demonstrou toda a sua ferocidade frente às medidas de contenção
1 Mestrando em Direito pela IMED/RS. Pós-graduado em Advocacia Trabalhista e Direito Tributário
pela LFG/Anhanguera-Uniderp/RS. Graduado em Direito pela IMED/RS. Advogado OAB-RS 88.541,
E-mail: juliodemedeiro@gmail.com
1
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Constituição Global na Crise da Pandemia de Coronavírus: Novo Desafio para a Soberania e outras Trabalhos em PDF para Direito Internacional, somente na Docsity!

UMA CONSTITUIÇÃO GLOBAL COMO ALTERNATIVA À FALTA DE

COOPERAÇÃO MUNDIAL?

Júlio César de Medeiro 1 Resumo : A pandemia do COVID-19 deixou desnudas as incongruências do mundo atual ao mesmo tempo em que a contaminação se alastrava pelo planeta. O estrondo com que o Coronavírus atingiu nossa sociedade será ouvido durante muitas gerações como um som agudo de morte e impotência de nível mundial, onde nenhuma liderança, nenhuma instituição ou pessoa chamou para si a responsabilidade ou demonstrou a mínima capacidade em lidar com a situação. Dessa análise inicial o presente artigo buscará apresentar como se chegou ao nível de pandemia, após abordará o papel de instituições globais e as formas de atuação frente a situação para, ao fim, trazer um recorte acerca da teoria de uma constituição global como hipótese para futuros enfrentamentos de situações similares. Palavras-chave : Coronavírus. COVID-19. Globalização. Instituições. Pandemia. 1 INTRODUÇÃO O que inicialmente se mostrava como uma epidemia como outras tantas já vivenciadas na China, rapidamente deixou os contornos da terra que a apresentou para o mundo, através dos frenéticos sistemas aéreos, marítimos e terrestres de mobilidade. Da até então desconhecida Wuhan nos veio abruptamente um evento global, uma pandemia, ainda que tardiamente decretada e mais tardiamente ainda encarada como tal. Do leste chinês o Coronavírus avançava incólume rumo ao ocidente e no velho continente demonstrou toda a sua ferocidade frente às medidas de contenção (^1) Mestrando em Direito pela IMED/RS. Pós-graduado em Advocacia Trabalhista e Direito Tributário pela LFG/Anhanguera-Uniderp/RS. Graduado em Direito pela IMED/RS. Advogado OAB-RS 88.541, E-mail: juliodemedeiro@gmail.com

terrivelmente ineficazes adotadas, logrando altíssimos índices de letalidade, principalmente na Itália, mas também na Espanha, França e Inglaterra. Após desestabilizar a Ásia e a Europa e enquanto ainda apresentava contaminação crescente, desembarcou nas Américas e em seguida já estava em todos os continentes, com exceção da Antártida. Na América do Norte, especialmente nos EUA, Nova Iorque e sua densidade populacional absurda sentiram os efeitos nefastos de um mal contra o qual não havia armas eficazes a serem usadas para combatê-lo, a não ser lavar as mãos, usar máscaras e evitar o contato social. Enquanto o mundo todo se descobria de joelhos por conta de um vírus, o Brasil, ainda em números iniciais de infectados, era impactado pelas imagens da Itália e do Equador, com dificuldades inclusive no sistema funerário. Em seguida a nefasta realidade atingiu o país tupiniquim e rapidamente alcançou níveis de contaminação e mortes assombrosos, ficando atrás somente dos números dos EUA, como se vislumbra pelo quadro comparativo de informações mantido pela Universidade John Hopkins: (HOPKINS, 2020). Ao primeiro impacto a comunidade internacional permaneceu atônita, sendo que a primeira reação ocorreu quando pesquisadores de todo o mundo passaram a envidar esforços em busca da cura, de tratamento ou de uma vacina, sendo que o tempo demonstrou o quão distantes estamos do objetivo, uma vez que

Se por um lado a pandemia não vê classe social, conta bancária, cor, religião ou predileção musical, resta cabalmente demonstrado que as desigualdades econômicas são fatores determinantes de maior possibilidade de vida ou de morte. Este recorte social geográfico evidencia a sombra perversa da globalização. Enquanto derruba barreiras nacionais, regionais e mundiais nas áreas comercial e econômica tendo no lucro financeiro seu objetivo, o conhecimento médico, a tecnologia da indústria farmacêutica e os recursos materiais disponíveis são excluídos dessa transnacionalidade, servindo exclusivamente a seus detentores, ou seja, a uma diminuta e seleta casta social mundial. Alheio às mazelas da humanidade, o Coronavírus segue contabilizando infectados e mortos, expondo as debilidades e incapacidades de nações poderosas e blocos econômicos como a Itália e a Comunidade Europeia. Neste cenário de questionamento da real necessidade de se promover um Estado incapaz de atacar uma situação como a de pandemia, da real importância de organismos internacionais que não conseguem se organizar frente a um desafio, da real eficácia de instituições como as de saúde que nada realizaram ou quando o fizeram, logo em seguida foram apontadas como medidas absurdamente equivocadas, surge uma antiga tese jurídico-política: uma constituição global. 2 GLOBALIZAÇÃO Onde estamos e o que vivemos é fruto da globalização. A abolição de fronteiras nacionais e a dinamicidade dada às comunicações e negócios tornaram o mundo tão complexo e rápido quanto se pode através das novíssimas ferramentas de comunicação. O papel dos Estados passa a ser secundário, regulatório e a própria noção de soberania é relativizada quando o Estado perde centralidade e importância. Setores produtivos ou especulativos de relevância manipulam a atuação do Estado, seja através de pressão legislativa, seja por conluio e corrupção, visando adequar legislações para que os favoreçam e minando dia-a-dia a credibilidade nas

instituições, evidenciando uma espécie de Estado a serviço não de todos, mas a serviço de quem detém maior poder ou influência. A nível mundial, a globalização deixou muito mais tênues as divisas nacionais interna e externamente, como por exemplo no caso de empresas multinacionais poderosas que detém tanto poder a ponto de persuadir representantes políticos e modificar legislações regionais para que se adequem às suas pretensões. Nas palavras de André-Noël Roth em sua obra “O Direito em crise: fim do Estado Moderno”: Sem uma instituição legítima, capaz de monopolizar um poder de coação jurídica efetiva ao nível internacional, são as empresas transnacionais que vão promulgando o quadro jurídico, em conformidade com seus interesses, a partir do qual dar-se-á a regulação social. Isso significa a emergência de uma forma de neofeudalismo onde as normas de regulação de um setor econômico estão definidas por empresas comerciais dominantes no setor. O conteúdo das regras negociadas na periferia limitar-se-ia a um ‘ajuste de detalhes’, não podendo ultrapassar o quadro geral da regulação fixado a um nível superior e percebido, pelos níveis de negociação inferiores, como uma realidade insuperável” (ROTH, 2010). Assim, se já estávamos imersos em um contexto onde a globalização propiciou a fragilização do poder dos Estados, reduzindo sua atuação nos campos econômico e político, com a crise de saúde que a pandemia de Coronavírus provocou em 2020, não só os setores econômicos e políticos ruíram, mas presenciamos um colapso sanitário e de credibilidade dos Estados. 3 POLÍTICA E CORONAVÍRUS Mesmo que pareça contraditório, o Coronavírus é um antigo conhecido dos meios científicos, o que faz pensar como então ainda não há tratamento ou cura para a enfermidade que causa. Ocorre que Coronavírus é a denominação de uma gama de vírus da mesma família, mas que diferem em algumas circunstâncias. Originário dessa família, o vírus SarsCov-2, uma mutação, é o causador da doença COVID-19, essa sim uma novidade e para a qual ainda não há formas conhecidas de combate eficaz. Muito disso se deve a forma de reprodução e disseminação desse vírus, sua letalidade e a capacidade de prostrar a maioria de seus hospedeiros em leitos hospitalares, além de muitos infectados não apresentarem

Esses fatos por si só já incutem ao observador o pensamento acerca da necessidade de algum tipo de regulamentação global para balizar a atuação dos Estados (e das instituições e organismos internacionais, por que não?) em casos como uma pandemia global, guerras e outros eventos sensíveis, em um objetivo de proteção ao menos favorecidos, subdesenvolvidos ou emergentes. Assim ganha fôlego a teoria de uma Constituição global para o tratamento das diferenças e desigualdades mundiais. 4 UMA CONSTITUIÇÃO GLOBAL A ideia de uma Constituição Global não é nova, tendo no ilustre professor e jurista José Joaquim Gomes Canotilho um de seus mais expoentes defensores. Discussões sobre a temática em relação a defesa dos direitos humanos e do meio ambiente e em relação a temas econômicos e sociais, como a defesa de nações pobres frente aos blocos econômicos formados por países desenvolvidos já eram travadas em tempos passados. O evento da pandemia do Coronavírus apenas trouxe à tona a mesma discussão com um novo ponto nevrálgico: a saúde global. Tratados e pactos internacionais que condicionam seus signatários a observar suas cláusulas se apresentam como indicações de que normas e regulamentos sobre temas sensíveis devem ser percebidos e tratados de maneira uniforme ao redor do globo, uma espécie de pré-constituição global. Na atualidade, o nome que se destaca na defesa de uma Constituição Global é, sem dúvidas, o do jurista e filósofo italiano Luigi Ferrajoli, que em fevereiro de 2020, as portas do período mais grave da pandemia em solo italiano, co- organizou a primeira assembleia em prol de uma Carta Magna do Mundo. Em entrevista ao El País, o proeminente defensor da ideia declarou: Não é uma ideia utópica. Pelo contrário, é a única resposta racional e realista ao mesmo dilema que Thomas Hobbes enfrentou há quatro séculos: a insegurança geral da liberdade selvagem e o pacto de coexistência pacífica sobre a base da proibição da guerra e a garantia da vida. (...) a Constituição do mundo não é o governo do mundo e sim a regra de compromisso e a bússola de todos os governos para o bom governo do mundo. (...) a unidade humana que alcança a existência política estabelece as formas e os limites de sua soberania e a exerce com o propósito de continuar a história e salvar a Terra. (FERRAJOLI, 2020).

Porém, se os entusiastas da ideia de uma Constituição Global como norma vinculante a todos os Estados, defendendo a proposição como mecanismo para continuidade da vida na Terra, o contraponto existe e é também contundente. Entre os nomes que mais se destacam nas críticas a uma Constituição do Mundo temos Josu de Miguel, professor de Direito Constitucional da Universidade da Cantábria que assevera que diante da incapacidade de implementar e cobrar correspondência dos Estados quanto ao disposto pela Carta das Nações Unidas ou pela Declaração Universal de Direitos humanos, a ideia de uma Constituição Global que versasse sobre temas diversos e particulares como economia e soberania de países de tão distintas formações e características como temos em nossa realidade, soa bastante ingênua. De Miguel alerta ainda que o momento em que se discute esse assunto é inadequado, citando a “ingenuidade do momento utópico” em que pensadores se voltam para um tema impressionados por sua momentânea relevância ou urgência, podendo incorrer na imprevisão de consequências a longo prazo por falta de planejamento ou simplesmente por falta de clareza de objetivos. O fato é que a pandemia de Coronavírus retirou o véu transparente que pairava sobre a questão de uma regulação mundial acerca de assuntos sensíveis como saúde, economia, direitos humanos e meio ambiente, alimentada principalmente pelas toneladas de informações disponíveis sobre as ações dos Estados que evidenciam as atitudes isoladas e protecionistas de nações e blocos regionais poderosos e a exposição às doenças e derrocada da economia e sistemas de saúde de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pandemia de Coronavírus de 2020 desencadeou uma crise humanitária que expôs a ineficiência e incapacidade de Estados, organizações e instituições internacionais em movimentarem-se de forma minimamente organizada para combater as danosas consequências, além de haver demonstrado o quão despreparados são os líderes mundiais para lidar com eventos de magnitude global.

the present article will seek to present how the pandemic level was reached, after addressing the role of global institutions and the ways of acting in the face of the situation, in the end, bringing an outline about the theory of a global constitution as a hypothesis for future coping with similar situations. Keywords: Coronavirus. COVID-19. Globalization. Instituions. Pandemic. REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. AMITRANO, Claudio; MAGALHÃES, Luís Carlos G. de; SILVA, Mauro Santos. Medidas de enfrentamento dos efeitos econômicos da pandemia covid-19: panorama internacional e análise dos casos dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Espanha. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2559.pdf. Acesso em 09ago2020. HARARI, Yuval Noah. In the Battle Against Coronavirus, Humanity Lacks Leadership. TIME. March, 2020. Disponível em: <https://time.com/5803225/yuval- noah-harari-coronavirus-humanity- leadership/>. Acesso em 10ago2020. HOPKINS, John. University & Medicine. Coronavirus Resource Center/Global Map. Disponível em https://coronavirus.jhu.edu/map.html. Acesso em 10ago2020. JAÉN, Braulio García. Crises globais exigem soluções globais: é hora de criar uma Constituição global? Matéria publicada no site do El País em 04abr2020. Disponível em <https://brasil.elpais.com/ideas/2020-04-04/crises-globais-exigem- solucoes-globais-e-hora-de-criar-uma-constituicao-mundial.html>. Acesso em 11ago2020. MELGAREJO, Rodrigo Brito. Reseña: Constitucionalismo más Allá Del estado. Revista de la Facultad de Derecho de México Tomo LXIX, Número 274, Mayo - Agosto 2019. Disponível em < https://www.researchgate.net/publication/334101692_Ferrajoli_Luigi_Constitucionalis mo_mas_alla_del_estado_trad_de_Perfecto_Andres_Ibanez_Madrid_Trotta_2018_ 2_pp>. Acesso em 10ago2020. ROTH, André-Noël. O Direito em crise: fim do Estado Moderno? In. FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 2010.

WERMUTH, Maiquel ngelo Dezordi; DE MORAIS, José Luis Bolzan. Da exceção agambeniana à Constituição Planetária de Ferrajoli: Desafios impostos pela pandemia do novo Coronavírus às categorias jurídico-políticas tradicionais. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, RS, v. 15, n. 1, p. e43057, abr. 2020. ISSN 1981-3694. Acesso em 19 de maio de 2020. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/43057. Acesso em 10ago2020.