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Influência da Trilha Dissonante em Django Unchained, Provas de Construção

Este documento analisa a influência da trilha musical dissonante na construção do personagem-título de django unchained, dirigido por quentin tarantino. O texto aborda a relação entre a música negra e a identidade cultural dos escravos e seus descendentes nos estados unidos, além de analisar as semelhanças entre a história do personagem django e histórias contadas por artistas de estilos musicais negros americanos, com ênfase no rap. O documento também discute as funções e efeitos da música no cinema e o uso da dissonância temporal no cinema, especialmente no trabalho de quentin tarantino.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO JORNALISMO
ARETHUSA SILVESTRI DIAS
DJANGO LIVRE: A DISSONÂNCIA TEMPORAL NA CONSTRUÇÃO DO
PERSONAGEM-TÍTULO
PORTO ALEGRE
2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO JORNALISMO

ARETHUSA SILVESTRI DIAS

DJANGO LIVRE: A DISSONÂNCIA TEMPORAL NA CONSTRUÇÃO DO

PERSONAGEM-TÍTULO

PORTO ALEGRE

ARETHUSA SILVESTRI DIAS

DJANGO LIVRE: A DISSONÂNCIA TEMPORAL NA CONSTRUÇÃO DO

PERSONAGEM-TÍTULO

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Comunicação Social – Hab. Jornalismo.

Orientação: Prof. Dra. Miriam de Souza Rossini

PORTO ALEGRE

AGRADECIMENTOS

Primeiramente à minha mãe, que sempre me questionou, me instigou e me incentivou a seguir em frente e ir mais longe para atingir os meus objetivos. Ao meu pai que, mesmo em outro plano, continua a me inspirar a trabalhar mais e fazer melhor a cada dia. Aos meus irmãos, que me acompanharam em diversas jornadas, estiveram ao meu lado e acreditaram no meu potencial. Ao Diogo, por ser meu companheiro, meu parceiro incondicional, por me compreender, me ajudar de todas as formas possíveis e me dar forças para continuar. À Dafny e à Roberta, por serem minhas amigas-irmãs, com quem eu posso contar, me aguentarem até mesmo no meu f*ck off mood e compartilharem tantas experiências de vida comigo.

Aos Despilhados, Arthur H., Arthur N., Guilherme, Priscila, Stefanie e Thayse, e à Laís, pelo companheirismo e parceria durante a faculdade, os momentos de descontração e o apoio mútuo. Aos meus gestores, atual e anterior, Carla e João, e ainda à Bruna e à Janaína, pela compreensão e apoio nos momentos difíceis pelos quais passei no âmbito pessoal neste ano, e também a todos os meus colegas na Agência RBS e na Central de Páginas.

À professora Miriam, por respeitar os meus limites e contribuir de forma crítica e construtiva para que o presente trabalho atingisse sua melhor forma possível. A todos os amigos que sentiram a minha falta nos últimos meses, e me dirigiram palavras de carinho e motivação. Finalmente, aos felinos Faruq e Filomena, por colocarem um sorriso no meu rosto mesmo nos momentos de maior estresse. Muito obrigada a todos vocês!

RESUMO

Esta monografia visa analisar como a dissonância temporal – termo que remete à trilha sonora composta por canções não correspondentes à época retratada na narrativa – contribui na construção do personagem-título do filme Django Livre (2012), do diretor americano Quentin Tarantino, e que funções e efeitos ela tem na obra. A pesquisa abordou a trajetória do negro nos Estados Unidos, bem como os diferentes gêneros musicais nascidos nas comunidades negras daquele país, como o Soul e o Rap, pensados a partir da análise dos autores Sílvio Anaz e Tricia Rose, respectivamente. Também foi estudada a trilha sonora, no âmbito de seu histórico na indústria do cinema, suas funções e efeitos, bem como a dissonância temporal na trilha cinematográfica e a forma com que Quentin Tarantino utiliza a música na sua obra. Foram utilizados conceitos e princípios do uso de música em cinema a partir das discussões propostas por Roy Prendergast, Pauline Reay e Ronel Alberti da Rosa. O objeto de análise compreende três sequências musicais da narrativa, que foram estudadas levando em consideração os seus gêneros musicais em seus contextos históricos, além do conteúdo lírico das canções. A análise propriamente dita foi realizada levando em consideração não somente o conteúdo estudado previamente, mas também as observações do autor sobre cada sequência e sua relação com a trajetória do personagem-título.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Cinema; Trilha Sonora; Dissonância Temporal; Quentin Tarantino; Django Livre; Música Negra Americana.

LISTA DE FIGURAS

  • Figura 1 - Mr. Blonde canta e dança antes de torturar um policial
  • Figura 2 - Mia e Vincent participam de concurso de dança
  • Figura 3 - Jackie e Max conversam ao som de The Delfonics
    • Figura 4 - Beatrix corta as amarras em seus pulsos com um canivete
      • Figura 5 - Shosanna prepara-se para assassinar os líderes nazistas
      • Figura 6 - Franco Nero (D) em participação especial no filme de Tarantino
    • Figura 7 - Sequência 1 em frames consecutivos
    • Figura 8 - Sequência 2 em frames consecutivos
    • Figura 9 - Sequência 3 em frames consecutivos
    1. INTRODUÇÃO SUMÁRIO
    1. A MÚSICA NEGRA NA CULTURA DOS ESTADOS UNIDOS
  • 2.1. O negro nos Estados Unidos
  • 2.2. Música negra americana
    1. TRILHA SONORA: HISTÓRICO, FUNÇÕES E EFEITOS
  • 3.1. A trilha sonora
  • 3.2. A dissonância temporal na trilha sonora
  • 3.3. A trilha cinematográfica em Quentin Tarantino
    • DJANGO LIVRE 4. DISSONÂNCIAS TEMPORAIS EM TARANTINO: O EXEMPLO EM
  • 4.1. Um grito pela liberdade
  • 4.2. Django toma as rédeas
  • 4.3. Cavalgando para a felicidade
    1. CONSIDERAÇÕES FINAIS
    • REFERÊNCIAS

Cassidy (1969), de George Roy Hill, a outros mais recentes como Maria Antonieta (2006), de Sofia Coppola, o uso de músicas contemporâneas em películas de época pode ser constatado, fazendo um contraponto com a ideia de recorrer a elementos musicais que situem a audiência em um determinado período de tempo. Quentin Tarantino apresenta uma forma bastante única de trabalhar a música em seus filmes, frequentemente optando por canções populares para compor as trilhas, criando uma estética e uma linguagem próprias, que são parte de sua “assinatura”.

Para analisar a influência da trilha musical dissonante na construção do personagem-título de Django Livre , será necessário, em primeiro lugar, compreender como a música negra relaciona-se com a identidade cultural dos escravos e seus descendentes nos Estados Unidos, além de analisar as similaridades entre a história do personagem Django e as histórias contadas por artistas de estilos musicais que nasceram da cultura negra americana, com foco especial no rap.

Outro aspecto importante a ser abordado neste estudo é a trilha sonora, como ela surge no cinema, que funções cumpre e que efeitos pode provocar. Além disso, é importante analisar a maneira que o diretor Quentin Tarantino trabalha com a trilha sonora em seus filmes e o papel que desempenha na obra do cineasta como um todo.

Para completar a pesquisa, é preciso identificar efetivamente quais canções se relacionam diretamente com o personagem-título de Django Livre e de que forma seus elementos musicais, como letra, melodia e ritmo, configuram uma linguagem própria que faz parte da construção do personagem Django.

Apesar de não haver bibliografia conhecida por mim sobre a dissonância temporal em trilhas cinematográficas, conceitos de outros autores que pensaram trilha sonora em cinema serão utilizados para dar conta desses objetivos. O papel da trilha sonora no contexto da obra cinematográfica será um dos conceitos analisados, à luz de autores como Ronel Alberti da Rosa (2003), que pensou o assunto por meio da análise da obra de Theodor Adorno e Hanns Eisler, Komposition für den film (1947):

A música tem condições de ser a projeção, em um nível metafísico, da essência simbólica do que se passa em cena – sem esquecer que o que aparece na tela tem componentes sensitivos (enxerga-se e ouve-se o que sucede) e psicológico (as intenções ocultas de cada personagem ou os desígnios do destino [...]) (ROSA, 2003, p. 86)

Além de Rosa, podemos destacar a obra de Roy Prendergast com o seu Film Music: a neglected art (1992) , por sua contribuição acerca da importância da trilha sonora em cinema e sua trajetória histórica. Mesmo que o autor escreva sob a perspectiva da composição para cinema (ele mesmo já trabalhou na edição de som de pelo menos 75 filmes), e parte das canções utilizadas em Django Livre não tenham sido compostas para a obra, Prendergast traz reflexões importantes a respeito dos efeitos da música nos filmes:

[...] a contribuição musical ao filme deveria ser, idealmente, criar uma supra- realidade, uma condição na qual os elementos de naturalismo literário são alterados perceptualmente. Dessa forma, a plateia pode compreender diferentes aspectos de comportamento e motivação não possíveis sob a égide do naturalismo. (PRENDERGAST, 1992, p. 217)^1

Não menos importante é o trabalho da autora Pauline Reay (2004) em seu estudo sobre as funções textuais das trilhas sonoras, seus elementos constituintes e seus estudos de caso envolvendo o uso de músicas populares em cinema, como Quentin Tarantino costuma trabalhar em seus filmes. Tony Berchmans (2006) é mais um autor a contribuir, com sua reflexão a respeito das funções da música na narrativa cinematográfica e sua pesquisa sobre o trabalho do músico italiano Ennio Morricone, cujas composições têm sido utilizadas em filmes recentes de Tarantino, mesmo que o artista já tenha afirmado não concordar com a maneira com que o diretor faz uso de seu trabalho, como declarado em entrevistas recentes. Para guiar-me na análise propriamente dita da obra cinematográfica, serão utilizados os conceitos de Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété (2008), além de Jacques Aumont (1995), com suas considerações sobre o filme como objeto de estudo. Beth Brait (1985) contribui com sua pesquisa sobre construção e análise de personagens. Inicialmente, o estudo da cultura negra nos Estados Unidos será norteado pela obra de Margaret Just Butcher (1960), baseada nas pesquisas do colega e amigo Alain Locke – considerado o “pai da renascença do Harlem”^2. Neil Campbell e

(^1) “[…] the musical contribution to the film should be ideally to create a supra-reality , a condition wherein the elements of literary naturalism are perceptually altered. In different aspects of behavior and motivation not possible under the aegis of naturalism this way the audience can have the insight into.” (tradução do autor) (^2) Movimento cultural que nasceu no Harlem, bairro de maioria negra da cidade de Nova York, durante os anos

2. A MÚSICA NEGRA NA CULTURA DOS ESTADOS UNIDOS

A produção artística negra teve grande influência na construção de uma cultura genuinamente americana, e foi a partir dela que alguns dos gêneros musicais mais populares do mundo surgiram, a exemplo do Jazz e do Rock and Roll. No entanto, não se pode esquecer que, por mais de dois séculos, os negros, trazidos da África, foram escravizados nos Estados Unidos e esse fato também teve um peso importante para a concepção da cultura negra naquele país. Na primeira metade desse capítulo, será abordado o contexto histórico do negro nos Estados Unidos e como sua situação evoluiu ao longo dos séculos. Na segunda parte, o foco estará propriamente na criação artística negra do país à luz de alguns dos mais importantes estilos musicais que foram desenvolvidos desde a chegada dos africanos à América do Norte.

2.1. O NEGRO NOS ESTADOS UNIDOS

Entre 1619 e 1860, foram transportados 400 mil africanos para a América do Norte, de um total de 9,5 milhões trazidos para o continente americano. À época da Guerra de Secessão, a população negra dos Estados Unidos já totalizava 4 milhões, crescendo a taxas similares às da população branca (BRADBURY, TEMPERLEY, 1981). Isso demonstra que os negros tiveram melhores condições de vida nos Estados Unidos do que em outras partes da América, o que não torna os efeitos da escravidão menos devastadores para os afro-americanos.

Despojado de qualquer cidadania e do direito de tomar as próprias decisões, o escravo americano encontrava na tradição oral, nas danças e na música a forma de se expressar, de falar por si, de manter sua identidade, pois “através delas [dos contos e da música], as comunidades de africanos podiam articular e compreender

seu lugar no mundo fora dos horrores imediatos e restrições da escravatura” (CAMPBELL, KEAN, 1997, p. 77) 3.

As histórias passadas de geração em geração, a produção musical, assim como documentos históricos escritos por escravos – o primeiro jornal produzido por negros foi publicado ainda em 1827 (CAMPBELL, KEAN, 1997) – formam uma espécie de identidade negra contra-histórica, na medida em que se opõe às ideias difundidas pela supremacia branca na época. Os negros eram vistos como seres inferiores e sem cultura ou identidade, que deveriam ter sua vida guiada pelo homem branco. Esse pensamento persistiu por séculos e a história negra passou a ser revista somente a partir do século XX, principalmente durante a luta pelos direitos civis dos negros, nos anos 1960. Dessa época, podemos destacar o pensamento de James Baldwin:

[...] a verdade sobre o homem negro, como uma entidade histórica e como um ser humano, tem sido escondida dele, deliberadamente e cruelmente; o poder do mundo dos brancos é ameaçado cada vez que um homem negro se recusa a aceitar as definições do mundo dos brancos. (BALDWIN apud CAMPBELL, KEAN, 1997, p. 76)^4

Essa procura pela verdade, como resistência e desafio à cultura “mestre- escravo”, pode ser observada em relatos de escravos como o de Frederik Douglass. Em The narrative of the life of Frederik Douglass, an american slave (1845), o autor conta como lhe foram negadas informações básicas sobre si mesmo, como sua própria idade, e tenta estabelecer sua identidade através da escrita. Em seu relato, é possível compreender a importância da música na época: “As canções do escravo representam as mágoas em seu coração; e ele se alivia através delas, somente como uma dor no coração é aliviada por suas lágrimas” (DOUGLASS apud CAMPBELL, KEAN, 1997, p. 79)^5. As narrativas de escravos como a de Douglass e tantos outros são representativas dessa vontade de quebrar o silêncio imposto pelo mestre branco, e assim, autoafirmar-se como ser humano com suas vontades, ideias e os direitos que lhe foram negados.

(^3) “through these, the communities of Africans could articulate and understand their place in the world outside of the immediate horrors and restrictions of slavery”. (tradução do autor) 4 “[…] the truth about the black man, as a historical entity and as a human being, has been hidden from him, deliberately and cruelly; the power of the white world’s definitions”. (tradução do autor) white world is threatened whenever a black man refuses to accept the (^5) “The songs of the slave represent the sorrows of his heart; and he is relieved by them, only as an aching heart is relieved by its tears.” (tradução do autor)

Henry não pôde celebrar a vitória, pois caiu morto de exaustão. A história é amplamente conhecida, sendo tema de canções até os dias atuais e até mesmo de um curta de animação dos estúdios de Walt Disney. Através dela, é possível notar o sentimento de impotência do afro-americano diante de sua situação, assim como a intensidade de sua força interna refletida na força física do personagem, capaz de vencer uma máquina e triunfar sobre a construção do homem branco, mesmo que tragicamente.

As dificuldades da vida no Sul do país devido à exploração de mão de obra e das políticas de segregação racial, assim como o desenvolvimento da indústria e dos meios de transporte incentivaram a migração de um grande número de cidadãos negros para os estados do Norte (ALVES, 2011). E, apesar do gênero Blues ter se desenvolvido a partir do Spiritual – canto religioso que sincretiza a tradição africana e o cristianismo – de maneiras diferentes em estados diferentes do Sul (BUTCHER, 1960), foi no Norte dos Estados Unidos que o estilo encontrou condições técnicas para se desenvolver na indústria fonográfica do início do século XX.

A partir de então, o canto de lamento do Blues passou a significar o início do reconhecimento de artistas negros na cultura mainstream , mesmo que parcialmente, assim como sua emancipação. Naquela época, muitas gravadoras investiram em músicos afro-americanos, mas como um segmento à parte, direcionado para o próprio público negro – vendido com race music. Somente após artistas brancos começarem a gravar discos de Blues, que o estilo se popularizou com maior intensidade e se tornou a influência musical que persiste até os dias de hoje. A luta dos cidadãos negros pelo reconhecimento de seus direitos, porém, viria com maior intensidade somente nos anos 1950.

Nessa época, a segregação racial ainda era assegurada por lei em diversas regiões do país, situação que começou a mudar a partir de acontecimentos históricos como a prisão, em 1955, de Rosa Parks, uma trabalhadora negra que se recusou a ceder seu assento no ônibus a um passageiro branco, em Montgomery, no estado do Alabama. O ato gerou um boicote ao transporte público na cidade que durou mais de um ano e só terminou com a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de declarar inconstitucional a lei de segregação racial nos ônibus em Montgomery e no estado do Alabama.

O boicote ao transporte público de Montgomery foi um marco importante, pois gerou uma onda de protestos e boicotes contra as leis de segregação dos estados do Sul dos Estados Unidos. Um dos líderes do movimento, o pastor Martin Luther King Jr., tornou-se uma importante figura na luta pelos direitos civis dos negros no país e é até hoje uma das personalidades mais reverenciadas no Ocidente, considerado um herói na luta pela igualdade de raças. O ministro da Igreja Batista também se tornou um ícone na construção da identidade do afro-americano, pois:

[...] construía seus discursos sobre um fundo diverso de contos bíblicos, folclóricos e de escravos para construir uma narrativa persuasiva, rítmica como uma canção que garantia o poder individual da voz, mas incluía a audiência no espetáculo e na ocasião. (CAMPBELL, KEAN, 1997, p. 88) 7

Martin Luther King Jr. era um pacifista e acreditava na integração e na convivência harmônica entre negros e brancos, o que ficava evidenciado nessa fusão de elementos que conversavam com o público em geral, como o “sonho americano” e a representatividade das opressões e esperanças do povo afro-americano. Dessa forma, ele atraiu multidões heterogêneas em seus atos de não violência, em busca de um futuro mais justo e próspero, até ser assassinado em 1968, por James Earl Ray, um foragido que acreditava que Luther King movia as pessoas em suas marchas para parar e enfraquecer o país política e economicamente.

Outro ícone da luta dos afro-americanos por seus direitos nessa época foi Malcolm X. Diferente de Martin Luther King Jr., Malcolm X era um separatista: acreditava que os negros americanos deveriam tomar o que era seu por direito, ao invés de esperar que outros lhes entregassem o que já era deles (CAMPBELL, KEAN, 1997). Após ser preso por fazer parte de um grupo que cometeu uma série de roubos a casas de brancos abastados na cidade de Boston, Malcolm X converteu- se ao islamismo e começou a se tornar um líder do nacionalismo negro, tendo como plateia para seus primeiros discursos os seus colegas de presídio, onde ficou por sete anos.

Os discursos e pontos de vista de Malcolm X eram muito mais incisivos do que os de Luther King, talvez por conta de sua trajetória como filho de um pastor batista

(^7) “[…] built his speeches upon a diverse background of biblical, folk and slave stories to weave a persuasive, rhythmic song spectacle and the occasion”.-like pattern which asserted the individual power of (tradução do autor) the voice, but included the audience in the

Black Power era menos por uma reivindicação dos direitos dos negros e mais por uma tomada de poder.

O movimento Black Power também influenciou a criação do Partido dos Panteras Negras, em 1966, por estudantes universitários afro-americanos da Califórnia. Embora o partido tenha sido fundado por influência do nacionalismo negro em um primeiro momento, a ideologia logo passou a ser considerada como “racismo negro” por seus membros, que preferiram concentrar-se em ideais socialistas, independentes de raça ou cor. A organização implementou diversos programas sociais com o objetivo de elevar a qualidade de vida nas comunidades mais pobres e passou a coordenar patrulhas armadas para monitorar a ação da polícia nessas localidades.

O Partido dos Panteras Negras tornou-se um ícone da contracultura dos anos 1960 e teve grande influência política nos Estados Unidos até o início da década de

  1. Porém, devido ao envolvimento de membros do partido com atividades criminosas, como tráfico de drogas e extorsão, além de constantes cisões internas e expulsões, o partido foi perdendo cada vez mais membros e influência, até encerrar suas atividades em 1982.

A partir dos anos 1970, surgiu um novo movimento que rapidamente se espalhou pelos centros urbanos dos Estados Unidos e que influencia gerações de artistas até os tempos atuais: o Hip Hop. A pesquisadora Tricia Rose indica algumas das condições ligadas ao surgimento da cultura Hip Hop no país:

Nos anos 1970, cidades por todo o país estavam gradualmente perdendo financiamento federal para serviços sociais, corporações de serviço de informação estavam substituindo fábricas industriais, e desenvolvedores corporativos estavam comprando imóveis para transformá-los em habitações de luxo, deixando residentes da classe trabalhadora com opções limitadas de habitação acessíveis, um mercado de trabalho cada vez menor e serviços sociais reduzidos. (ROSE, 1994, p. 27)^9

Essas mudanças da era pós-industrial foram mais intensas em Nova York, dada a importância da cidade como centro de negócios internacional. Nesse contexto,

(^9) “In the 1970s, cities across the country were gradually losing federal funding for social services, information service corporations were beginning to replace industrial factories, and corporate developers were buying up real estate to be converted into l shrinking job market and diminishing social services.”uxury housing, leaving working (tradução do autor)-class residents with limited affordable housing, a

podemos destacar a situação no Sul do Bronx. Considerado o berço do movimento Hip Hop, o distrito foi o destino de largas parcelas da população negra de baixa renda, realocadas em razão de planos de reurbanização de Nova York. A construção de uma via expressa para ligar o distrito de Long Island ao estado de Nova Jersey (conhecido por ser moradia da população trabalhadora de Nova York), e outras políticas de reurbanização durante os anos 1960 e 1970, levaram à destruição de cerca de 60 mil habitações e a relocação de cerca de 170 mil pessoas. A situação piorou no verão de 1977, quando blecautes de energia elétrica em Nova York resultaram em vandalismo e saques nos bairros mais pobres da cidade. O Sul do Bronx foi uma das regiões atingidas e retratados pela mídia como um local onde as leis não prevaleciam (ROSE, 1994).

É dessa realidade de abandono social em meio ao caos resultante de núcleos urbanos em constante mudança e crescimento que nasceu a cultura Hip Hop. Ao assumir “nomes de rua” e formar grupos em suas vizinhanças, os jovens buscavam construir suas próprias identidades, seus locais de discurso e de autoafirmação. Ao mesmo tempo, formando uma rede de apoio através de grupos estabelecidos, cada um com suas peculiaridades, e encontrando uma forma de protestar contra as dificuldades pelas quais passavam diariamente. Através do grafite, da dança Break e do Rap, o Hip Hop se desenvolveu não sem contar com os avanços tecnológicos na qualidade das tintas spray – no caso do grafite – e da possibilidade de gravar e copiar fitas, manipular e editar sons e reproduzi-los com aparelhos portáteis.

Tricia Rose explica que o “Hip Hop reproduz e reimagina as experiências da vida urbana e se apropria simbolicamente do espaço urbano através do sampling^10 , da atitude, da dança, do estilo e dos efeitos sonoros” (1994, p. 22)^11. Além disso, a expressividade da cultura negra está claramente representada nessas manifestações através da oralidade do Rap, dos movimentos e passos da dança Break e do registro escrito da expressão através do grafite. Embora o Rap tenha sido a última categoria do Hip Hop a se desenvolver, o gênero musical é a manifestação mais representativa do movimento nos dias atuais, e ainda pouco compreendida entre muitos críticos e apreciadores de música. A cultura Hip Hop passou a representar e dar voz não somente a afro-americanos e afro-caribenhos, como a outras minorias étnicas que se (^10) Ato de reutilizar um trecho de música, ou amostra (sample, em inglês) em um contexto ou canção diferente. (^11) “hip hop replicates and reimagines the experiences of urban life and symbolically appropriates urban space through sampling, attitude, dance, style, and sound effects”. (tradução do autor)