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vidas secas, de graciliano ramos: a estética, a narrativa e a ..., Resumos de Estética

Resumo: Esta análise pretende, através da construção das personagens ao longo da obra. Vidas Secas, de Graciliano Ramos, mostrar as suas características ...

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Instituto de Letras
Departamento de Teoria Literária e Literaturas
Licenciatura em Letras/Português
Monografia em Literatura
ARTUR GASPERIN MAZZOLENI
MATRÍCULA: 13/0102946
VIDAS SECAS, DE GRACILIANO RAMOS: A ESTÉTICA, A
NARRATIVA E A CONSTRUÇÃO DAS PERSONAGENS
PROTAGONISTAS
MENÇÃO SS
ORIENTADOR
Prof. Dr. Omar da Silva Lima
Brasília- DF
1º/2015
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Instituto de Letras Departamento de Teoria Literária e Literaturas Licenciatura em Letras/Português Monografia em Literatura

ARTUR GASPERIN MAZZOLENI

MATRÍCULA: 13/

VIDAS SECAS , DE GRACILIANO RAMOS: A ESTÉTICA, A

NARRATIVA E A CONSTRUÇÃO DAS PERSONAGENS

PROTAGONISTAS

MENÇÃO SS

ORIENTADOR

Prof. Dr. Omar da Silva Lima

Brasília- DF 1º/

ARTUR GASPERIN MAZZOLENI

VIDAS SECAS , DE GRACILIANO RAMOS: A ESTÉTICA, A

NARRATIVA E A CONSTRUÇÃO DAS PERSONAGENS

PROTAGONISTAS

Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de licenciado em Letras: Português e suas respectivas literaturas à mesa da Jornada de Monografia em Literatura, sob a orientação do Prof. Dr. Omar da Silva Lima.

Universidade de Brasília Brasília - 2015

Resumo: Esta análise pretende, através da construção das personagens ao longo da obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, mostrar as suas características inovadoras de posição do narrador ao contar a história, assim como a magnífica interação das personagens com o meio, que através de comparações entre homem e natureza, exprimem o mais humano que há no selvagem e o mais selvagem que há no humano. Serão utilizados alguns teóricos e conceitos, como a teoria sobre o narrador geral de Lukács e os específicos sobre a narrativa de Vidas Secas : Rui Mourão e Carlos Alberto Abel. Os estudos sobre personagens na obra de Graciliano pelo crítico Hamilton Jr., além de uma visão geral sobre a obra do escritor dada pelos estudos de Antonio Candido. Acerca da estética da obra serão abordados os procedimentos literários conceituados pelo russo Viktor Chklovski. Palavras-chave : Vidas Secas. Personagem. Estética. Sertão. Narrador. Construção.

Abstract : This analysis aims , through the construction of the characters throughout the book Vidas Secas , by Graciliano Ramos, show their innovative features of the narrator's position to tell the story , as well as the magnificent interplay of characters with the environment , which through comparisons between man and nature , expressing the most human things in the wild and wilder than there is in the human. And some theoretical concepts will be used, as the theory of general narrator of Lukacs and specific about the narrative of Vidas Secas : Rui Mourão and Carlos Alberto Abel. Studies on characters in the work of Graciliano by critic Hamilton Jr. , as well as an overview of the writer's work given by the studies of Antonio Candido. About the aesthetics of the work will deal with the renowned literary procedures by Russian Viktor Chklovsky. Keywords : Vidas Secas. Character. Aesthetics. Hinterland. Narrator. Construction.

Sumário

  • Introdução ..................................................................................................................................
  • Capítulo 1 A estética e a narrativa em Vidas Secas ………………………………………...
  • 1.1 O narrador em Vidas Secas ...................................................................................................
  • 1.2 Um molde formalista de se escrever um texto....................................................................
  • Capítulo 2 A construção continuada das personagens protagonistas ................................
  • Conclusão .................................................................................................................................
  • Referências bibliográficas ......................................................................................................

Capitulo 1 A estética e a narrativa em Vidas Secas

Apesar de uma análise muita rica, o livro do Professor Hamilton A arte de ficção de Graciliano Ramos: A apresentação de personagens dá uma noção geral comparativa entre as obras ao falar de suas personagens. Nesta análise, pretende-se algo mais focado no desenvolvimento destas ao longo de Vidas Secas , e como elas expressam as vontades do autor, concretizadas em sua escrita.

No livro Ensaios sobre a literatura , do crítico húngaro Georg Lukács, possui um artigo dele inteiro dedicado a conceituar a narrativa através de duas formas antagônicas de se narrar um romance. Pegando duas obras universais para exemplificar seu ponto de vista, Anna Karenina de Tolstoi e Naná de Zola, Lukács conceitua duas posições de um narrador contar uma história; a de se narrar ou de se descrever esta. O crítico húngaro exemplifica através de uma cena parecida nas duas obras as diferenças marcantes que ambas possuem.

As cenas em questão se passam num ambiente pressupostamente igual, uma corrida de cavalos, mas enquanto “Em Zola, a corrida é descrita do ponto de vista do espectador; em Tolstoi, é narrada do ponto de vista do participante”. (LUKÁCS, 1968, p. 48). Em Zola é um narrador afastado como um espectador que conta a história, Lukács crítica a pobreza da ligação da longa cena com a trama principal da obra e a riqueza no crescimento de dramas que vão ocorrendo com as personagens ao mesmo tempo em que os cavalos correm na pista na cena construída por Tolstoi. Quando se possui um narrador-personagem, o movimento do meio também mexe com as ações e sentimentos de quem vive a cena e por consequência de quem a narra.

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. (VS^1 , p. 09) Vidas Secas não possui narrativa em primeira pessoa como Ana Karenina , o nome dado para este narrador na obra de Graciliano Ramos varia de crítico pra crítico, mas focando para a finalidade da posição deste na obra, percebe-se a mesma intenção do que na obra do

(^1) Ao longo desta análise, utilizarei a sigla VS quando me referir à obra Vidas Secas.

escritor russo. Ao mesmo tempo em que a paisagem se mostra seca, sem verde e sem vida, a infeliz família de Fabiano também está seca e sem vida embaixo do Sol escaldante. Se o dia da corrida é descrito por Tolstoi para traduzir ao leitor a evolução dos sentimentos de Karenina para com Ana, a paisagem que os sertanejos cruzam também é descrita no romance, mas não apenas para descrever a paisagem, mas também para descrever o estado físico e emocional dos membros da família que cruzam este árido sertão.

1.1 - O narrador em Vidas Secas

Hamilton Jr. faz muitas comparações dos romances de Aluísio de Azevedo com os de Graciliano, apontado alguns pontos em comum e outros que os diferem. Ambos os autores abordam questões sociais pertinentes ao seu período histórico, porém no livro O Cortiço , o narrador constrói as cenas por meio de muitos detalhes, com uma minúcia calculada para não deixar nenhum detalhe do cenário fora da descrição. O cortiço também difere de Vidas Secas por se tratar de um romance urbano, lotado de personagens secundários, todos devidamente nomeados e bem contextualizados dentro da trama do livro.

Por outro lado, Jerônimo empregara-se na pedreira de São Diogo, onde trabalhava dantes, e morava agora com a Rita numa estalagem da Cidade Nova. Tiveram de fazer muita despesa para se instalarem; foi-lhes preciso comprar de novo todos os arranjos de casa, porque do São Romão Jerônimo só levou dinheiro, dinheiro que ele já não sabia poupar. Com o asseio da mulata a sua casinha ficou, todavia, que era um regalo; tinham cortinado na cama, lençóis de linho, fronhas de renda, muita roupa branca, para mudar todos os dias, toalhas de mesa, guardanapos; comiam em pratos de porcelana e usavam sabonetes finos. Plantaram à porta uma trepadeira que subia para o telhado, abrindo pela manhã flores escarlates, de que as abelhas gostavam muito; penduraram gaiolas de passarinho na sala de jantar; sortiram a despensa de tudo que mais gostavam; compraram galinhas e marrecos e fizeram um banheiro só para eles, porque o da estalagem repugnou à baiana que, nesse ponto, era muito escrupulosa. (AZEVEDO, p. 135)

Com este trecho do O Cortiço dá para perceber, com clareza, que a quantidade de móveis e objetos da mudança narrados é demasiada e não acrescenta em nada a retratação social e psicológica do pedreiro Jerônimo e da mulata Rita, mas retratam os costumes da época narrada. Aluizio dá ao leitor a descrição do como se decorava uma nova casa, os móveis que se deveria ter e o quanto se gastava com isso. Quando Fabiano chega à nova fazenda, a preocupação do narrador não é com a decoração, mas sim com o estado de espírito da família.

como o patrão que é o dono das terras em que Fabiano trabalha, ou como o soldado amarelo, que é o soldado da cidade próxima à fazenda em que reside a família do vaqueiro. Nem mesmo os dois filhos do vaqueiro com Sinhá Vitoria possuem nomes, parece que as personagens são nomeadas de acordo com a cabeça de Fabiano, que pensa como um bicho e dá nome às pessoas pela suas funções para com ele.

Durante o trecho de Vidas Secas, aqui citado, o menino mais velho é chamado de várias alcunhas diferentes, tanto pelo Fabiano quanto pelo narrador, porém nunca pelo seu nome. Quando Fabiano está irritado com o garoto por ele ter empacado a marcha da família inteira, o pai o chama de “condenado do diabo” enquanto o narrador o chama de “pequeno”. Seguindo o mesmo trecho, Fabiano volta a ofender o filho chamando-o de excomungado, o narrador, numa espécie de critica à atitude de Fabiano, o chama de “obstáculo miúdo”, é como se fosse a consciência do vaqueiro dialogando com as suas atitudes, tanto que na cena seguinte Fabiano guarda sua faca e com pena do menino, agora chamado de “anjinho”, o coloca no seu cangote e passa a carregar o cansado menino. Mesmo não sendo em primeira pessoa, o narrador e suas divagações sobre as personagens e suas atitudes influenciam no como elas agem e no como percebem o mundo a sua volta.

É como se Graciliano criasse um novo narrador, pois diferenciá-lo por narrar ou descrever é difícil, afinal este narrador possui as duas características narrativas que o Lukács antagonizou através da cena da corrida dos cavalos. O narrador de Vidas Secas não descreve a paisagem apenas por descrevê-la, como Zola faz com a cena da corrida, as características da fazenda são descritas no trecho para descrever os sentimentos de Fabiano, mas não deixa de ser uma descrição do sertão. Se em Tolstoi é uma personagem que narra a história para a cena se tornar mais palpável e rica, para fazer uma maior ligação com a trama principal, como afirma Lukács, Graciliano, por sua vez, utiliza o narrador em terceira pessoa para descrever Fabiano, mesmo com o tom previamente distante que a terceira pessoa promove ao leitor, mescla a narração com descrições, e dá assim um sentido mais completo ao narrador, que parece estar na cena como uma personagem sentindo a seca como Fabiano a sente, diferente do narrador em São Bernardo , outra obra de Graciliano, que é escrito em primeira pessoa, com o protagonista Paulo Honório vivendo a obra e a escrevendo quando mais velho, em Vidas Secas , o narrador talvez esteja mais próximo da personagem que vive a história do que em São Bernardo , afinal até a forma como Paulo Honório, narrador, critica as próprias ações ao narrar, afastando temporariamente o narrador de quem vive o caso, e por consequência sua opinião acerca das próprias ações.

Graciliano Ramos, para diferenciar Paulo Honório de Fabiano, inventa esta nova forma de narrar. Hamilton Jr. em, A arte de ficção de Graciliano Ramos: A apresentação de personagens, aponta que as características pessoais de Paulo Honório são apresentadas no livro através da trajetória de sua ascensão social, e as características de Fabiano e sua família através da retratação do cotidiano, com as diferenças de que Paulo Honório é letrado e senhor de terras, mesmo nascido bruto, obteve ao longo da vida posses e dinheiro, enquanto Fabiano sempre viveu de favores e possivelmente está fadado a sempre viver.

O crítico e pensador Rui Mourão, no seu livro de 1971 intitulado Estruturas: ensaio sobre o romance de Graciliano , faz um ensaio dedicado à estrutura de cada romance escrito pelo alagoano. No ensaio acerca de Vidas Secas ele trás algumas definições acerca do narrador na obra e sobre seu papel representativo.

Neste livro, o autor rompe todos os esquemas anteriormente empregados, para nos oferecer uma narração em terceira pessoa. A consciência criadora se coloca entra as personagens e o leitor, deixando bem marcado o plano literário. Não há igualmente preocupação de ocultar as projeções da silhueta do romancista, que se impõe sem constrangimento, na sua vitoriosa onisciência. Êle se instala com o ponto-de-vista narrativo ora do lado de fora de suas figuras, ora na cabeça de uma ou outra, quando não dentro de duas e uma só vez. (MOURÃO, 1971, p. 117) Aplicando as palavras de Mourão ao trecho de cima, onde Fabiano se irrita com a pausa da marcha do seu filho, fica claro o uso variado do ponto de vista narrativo, ora na cabeça de uma personagem, como mostrando a raiva do vaqueiro, ora na onisciência do narrador, mostrando ao leitor a paisagem da caatinga em que a família marcha.

Outro crítico brasileiro, Carlos Alberto dos Santos Abel, ao falar sobre a narrativa em Vidas Secas em seu livro intitulado Graciliano Ramos – cidadão e artista , ele adapta a sistematização do crítico Norman Friedman, para mostrar o como Graciliano foi feliz na sua intenção primária de retratação ao escrever Vidas Secas.

Em Vidas Secas , muda o ponto de vista, temos a onisciência seletiva múltipla, a história apresenta-se como é vivida pelos personagens, refletida em seus espíritos e pela mente daqueles seres de papel. Friedman chama a atenção para o fato de que esse ponto de vista, muitas vezes, confunde-se com a onisciência neutra. Contudo, se observarmos que os “pensamentos, percepções e sentimentos” dos personagens, ouvi-los à proporção que se produzem nos seus espíritos, deixamos de lado todas as dúvidas. Graciliano coloca-os juntos de si. Assim, paradoxalmente também a onisciência seletiva múltipla aproxima-o de seus personagens. Ele vive por dentro e por fora de todos os semoventes. Um criador sabedor de todas as coisas, porque ele é “eles”. (ABEL, 1997, p. 237)

Ao construir esta cena, Graciliano monta uma imagem quase que fixa, como uma fotografia, aonde o único movimento vem do vento na caatinga e seu efeito nas folhas secas. Esta imagem de paisagem ao qual uma personagem observa, é comum a todo ser humano, mas aqui em Vidas Secas ela é usada para explicar os sentimentos do vaqueiro, não apenas retratar o que Fabiano vê. A paisagem morrendo, uma imagem familiar, dá sentido aos sentimentos de Fabiano, imagem simbólica e única, que necessita desta imagem conhecida para ser explicada ao leitor.

Depois de apresentar a teoria de arte de Potebnia, Chklovski vem com as críticas. Constatamos que as imagens são quase que imóveis; de século em século, de país em país, de poeta em poeta, elas se transmitem sem serem mudadas. As imagens não são de algum lugar, são de Deus. Quanto mais se compreende uma época, mais nos persuadimos que as imagens consideradas como a criação de tal poeta são tomadas emprestadas de outros poetas quase que sem nenhuma alteração. Todo o trabalho das escolas poéticas não é mais que a acumulação e revelação de novos procedimentos para dispor e elaborar o material verbal, e este consiste antes na disposição das imagens que na sua criação. ( Chklovski, p. 41) Toda a obra literária dialoga com as outras que abordam temáticas semelhantes. Ao descrever o sertão nordestino, Graciliano Ramos dialoga com Euclides da Cunha, escritor brasileiro, e é claro que ele reutiliza imagens, mas o interessante é perceber a particularidade das imagens criadas no parágrafo se comparadas com as criadas anteriormente no livro, e percebe que não é apenas um acúmulo de significados aplicados com novos procedimentos literários.

Ao descrever a paisagem nacional, como muitos autores brasileiros já o fizeram, sua intenção é uma descrição do estado psicológico de Fabiano e não uma simples descrição para valorizar a natureza brasileira, como muitos autores românticos e até modernistas o faziam. Depois de bons momentos vividos pelo vaqueiro naquela fazenda, a seca estava expulsando ele e sua família de lá, e ao descrever a paisagem, o narrador descreve o como Fabiano se sente, não são apenas os garranchos que se retorciam negros e torrados pelo Sol, mas a família de Fabiano e Sinhá Vitoria também estavam perecendo, e não apenas no sentido físico, mas também suas esperanças de sobrevivência, antes grandes, agora estavam jogadas ao acaso, como a paisagem amarelada.

Em outro texto critico, “A construção da novela e do romance”, Chklovski, por meio de exemplos retirados das obras do também russo Leon Tolstoi, escritor realista, autor de grandes obras como Guerra e Paz e também ídolo de Graciliano Ramos, conceitua mais

alguns elementos que se aplicados a um romance ou a um novela tornam esta história com grandes riquezas literárias. Como o processo de singularização descrito abaixo.

Este procedimento tem uma variante que consiste em se deter sobre um só detalhe do painel e acentuá-lo; isso conduz a uma deformação das proporções habituais. Assim, descrevendo uma batalha, Tolstoi desenvolve o detalhe de uma boca úmida que masca. O destaque sobre o detalhe cria uma deformação particular. (Chklovski, p. 217) No capítulo “Fabiano”, de Vidas Secas , ao descrever o fim da marcha da família pelo sertão, o narrador se prende ao som das alpargatas dos membros da família, no meio daquele cenário extenso e monótono, onde tudo é seco e morto, o detalhe do som dos passos da família cria uma deformação particular, o leitor passa do meio do sertão para junto dos pés dos sertanejos. “Chape-chape. As alpercatas batiam no chão rachado. O corpo do vaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços moviam-se desengonçados. Parecia um macaco.” (VS, p. 19)

Voltando ao texto “A arte como procedimento”, ainda exemplificando com Tolstoi, Chklovski aumenta o significado e a aplicação do procedimento de singularização.

O procedimento de singularização em L. Tolstoi consiste no fato de que ele não chama o objeto por seu nome, mas o descreve como se o visse pela primeira vez e trata cada incidente como se acontecesse pela primeira vez; além disso, emprega na descrição do objeto, não os nomes geralmente dados às partes, mas outras palavras tomadas emprestadas da descrição das partes correspondentes em outros objetos. (Chklovski, p. 46) O capítulo de Vidas Secas dedicado ao filho mais velho, narra a tentativa do garoto de entender a palavra inferno, ao qual ele quer aprender a pronunciar corretamente para orgulhosamente repetir ao irmão mais novo e para a cachorrinha baleia, que escutaria indiferente, ao lado do encantado menino mais novo. “Ia decorá-la e transmiti-la ao irmão e à cachorra. Baleia permaneceria indiferente, mas o irmão se admiraria, invejoso.” (VS, p. 59- 60).

O capítulo começa com a mãe dando uma vaga explicação sobre o que seria inferno ao filho. É interessante notar que o narrador não conta a explicação de Sinhá Vitória através das palavras dela e sim com uma explicação do narrador do que a mãe falou ao filho, e de como ela, com gestos, cortava o menino. ”Sinhá Vitória, distraída, aludiu vagamente a certo lugar ruim demais, e como o filho exigisse uma descrição, encolheu os ombros.” (VS, p. 54). Depois dessa negativa da mãe, o garoto busca em seus conhecimentos definir a palavra que ele ouviu.

criativo, ao contrário do espírito do pai, dá uma “nova vestimenta” ao filho. O narrador quebra a série semântica relacionada à família de Fabiano que vinha sendo construída para o leitor, apresenta uma personagem totalmente nova que pensa e se expressa através do narrador onisciente seletivo, numa plataforma paralela ao resto da família. ”Tolstoi utiliza-se do parentesco não só para estabelecer um paralelismo, mas também para estabelecer a construção em plataformas.” (Chklovski, p. 219)

Graciliano, ao construir os dois filhos opostos de Fabiano, utiliza-se de forma magnífica dos procedimentos teorizados por Chklovski, dedicando um capítulo a cada um dos meninos, como duas plataformas diferentes, é narrado um dia na vida de cada um dos meninos, e mostra ao leitor os mundos paralelos em que os espíritos de cada um deles foram construídos.

A rotina do dia do menino mais novo é toda voltada para a admiração à profissão do pai. O menino fica muito tempo sentado na cerca e observando Fabiano, e é tomado por euforia toda vez que o vaqueiro faz algo que o impressiona, como fugir de coices furiosos da égua enfurecida. O garoto fica observando o pai até tomar coragem e ir tentar imitá-lo, sem sucesso ele tenta montar uma cabra. Já o dia do mais velho se passa com ele tentando achar o significado das coisas, ele tem a gana de descrever o mundo. Já foi mostrado que é através dessa busca do garoto que Graciliano constrói varias singularizações, demonstrando as plataformas opostas de construção dos meninos.

Até a relação dos dois meninos com a cachorrinha Baleia é construída de forma oposta. Enquanto o mais novo faz de tudo para chamar a atenção da cachorra, ”Pôs-se a berrar, imitando cabras, chamando o irmão e a cachorra. Não obtendo resultado, indignou-se.” (VS, p. 51), o mais velho e a Baleia estão sempre juntos e como companheiros.

  • Como é? Sinhá Vitoria falou em espetos quentes e fogueiras.
  • A senhora viu? Aí sinhá Vitoria se zangou, achou-o insolente e aplicou-lhe um cocorote. O menino saiu indignado com a injustiça, atravessou o terreiro, escondeu-se debaixo das catingueiras murchas, à beira da lagoa vazia. A cachorra Baleia acompanhou-o naquela hora difícil. (VS, p. 54-55) Percebe-se lendo os mesmos trechos que até o motivo da indignação de ambos é oposto, o mais novo indignasse por não receber atenção, enquanto o mais velho por não obter as respostas para as suas indagações e pela forma injusta que sinhá Vitória o castigou.

Um exemplo claro do paralelismo oposto entre Fabiano e o menino mais velho é o como cada um reage nas situações em que precisam se expressar, por muitas vezes o pai fica calado por não possuir vocabulário para expressar suas ideias e sentimentos, como no caso com o patrão e com o soldado, o menino tenta romper esta barreira e se comunica com o que conhece, e se não conhece singulariza os conhecimentos que tem e aplica dando significado ao que não conhece. “O pequeno sentou-se, acomodou nas pernas a cabeça da cachorra, pôs- se a contar-lhe baixinho uma historia. Tinha o vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações e de gestos.” (VS, p. 55-56). A falta de vocabulário não impede o menino de contar as historias que inventa para a sua companheira Baleia.

monossilábicos. Porém, mesmo em terceira pessoa, o narrador não é colocado numa posição de afastamento, onipresença e onipotência, mas sim em uma posição em que o narrador muitas vezes se mescla com os sentimentos e pensamentos da personagem que ele está descrevendo, para que mesmo elas não conseguindo se expressar por si só, o narrador se aproxima da personagem e descreve seus sentimentos, comparando-os com a natureza ao seu redor.

Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado a camarinha escura, pareciam ratos e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera. (VS, p.18) O narrador de Vidas Secas é realmente algo intrigante, ao responder a sua própria constatação da satisfação de Fabiano, ele dá a impressão de falar pelo vaqueiro, característica repetida na hora de descrever todos os membros da família de Fabiano, mesmo que este narrador esteja em terceira pessoa, ele fala pelas personagens que descreve, dando um caráter de personagem a voz narrativa.

Ao dar voz ao sertanejo bruto, analfabeto e sem posses, ou “homem sem valor”, como aponta Hamilton Jr., Graciliano, para ser fiel a quem dá voz, não poderia colocá-lo narrando sua história em primeira pessoa, afinal nem lutar pelo que acredita Fabiano consegue, já que ele não sabe como se expressar. O escritor inventa uma nova forma de narrar mesclando o narrador descritivo com o narrativo, tendo então o cenário narrado com o fim de descrever o humano das personagens que ali estão vivenciando a cena, diferente cenário puramente narrado em detalhes e sem ligação com a trama do romance, como a longa cena dos cavalos em Zola ou a cena da mudança na de Aloísio Azevedo.

-Fabiano, você é homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando: – Você e um bicho, Fabiano. Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela situação medonha – e ali estava, forte, ate gordo, fumando o seu cigarro de palha.

  • Um bicho, Fabiano. (VS, p.18) Enquanto em algumas linhas o narrador descreve Fabiano por meio das suas características físicas, em outras ele descreve os sentimentos do vaqueiro para com o mundo

que o cerca, e sua relação de dependência que o caracterizava como um animal e não um ser humano, como no início da citação ele se considerava. A diferença está até na significação da palavra, antes de Fabiano pensar no assunto ele era um homem, pensando um pouco mais era um cabra, no sentido de ser um homem ocupado com as posses dos outros e por isso se tornara menos homem, depois de se pensar mais sobre ele se tornará um cabra animal, mesmo ruivo e com os olhos azuis, por trabalhar na terra dos outros ele era uma cabra, e não o homem branco, que no Brasil se pressupõe ser alguém com posses, Fabiano não possui terras. O narrador não apenas descreve a cena, mas a liga a trama principal por meio desses jogos com palavras, dando importância para cada frase escrita no romance, formando uma estrutura descontinua acerca dos devaneios de Fabiano, ao qual o narrador incorpora.

Sobre esta relação de ser humano com possuir posses, e o sentimento de inferioridade sentido por Fabiano, Marx escreveu o manuscrito “O Dinheiro”, dentro dos seus Manuscritos econômico-Filosóficos , defendendo que se o ser humano possui necessidades verdadeiramente ontológicas a sua existência, todo sujeito necessita assim de uma indústria evoluída e propriedade privada para suprir suas necessidades. Deixando o fato industrial de lado, Fabiano para se sentir gente precisa de uma propriedade de terra sua para poder produzir e não dever nada a ninguém, porem as relações de favor que lhe imperam por ele não ser o dono das terras lhe transforma em um animal e não mais em um ser humano. Na cena do pagamento pelo seu trabalho ao longo do capítulo “Contas”, Fabiano se compara a uma cabra novamente. Depois de receber o dinheiro, mesmo que o vaqueiro achasse que o patrão estava sendo incorreto e injusto, mesmo que as contas de sua esposa Sinhá Vitória, a quem Fabiano muito confiava e estimava pelas nas habilidades em efetuar contas que sua mulher possuía, Fabiano justifica que só discordava do patrão por ser bruto, e não pelo fato do dono das terras, homem branco, estar sendo maldoso e intransigente, partindo do ponto em que Fabiano não possuía posses e ainda vivia e trabalhava de favor, não podia discordar do dono de terras, afinal ele era gente rica (ser humano) e Fabiano só um bruto, um cabra (animal).

Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria! O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda. Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso barulho não. Se havia dito palavra à toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atrevimento não tinha, conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor, mas sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância da mulher, provavelmente devia ser ignorância da mulher. Até estranhara as contas